Vanessa Grazziotin *
Embora exista num horizonte distante uma tendência à diminuição da desigualdade entre ambos os sexos, ainda encontramos vários obstáculos que impedem a ampliação da participação feminina nos mais variados setores da sociedade. A discriminação salarial, a sobrecarga dos afazeres domésticos e a baixa participação na política são exemplos de restrições que precisam ser superados para se atingir uma maior equidade de gênero.
No Brasil, a rigor, em mais de um século de existência, somente agora o país tem uma mulher na Presidência da República, Dilma Rousseff.
E cito uma frase muito simbólica dita pela presidenta Dilma Rousseff, na cerimônia de sua posse: “A mulher pode”. A frase da presidenta Dilma expressa exatamente o sentimento de bravura e persistência das mulheres brasileiras e, tenho certeza, de todas as mulheres latino-americanas, em serem participativas e também titulares dos comandos dos países, o que nos foi negado ao longo da história.
Vejam que, nós brasileiras, só conquistamos o direito ao voto no ano de 1932.
Na luta especificamente pela representação política, no mundo inteiro, a presença das mulheres nos Parlamentos – uma das instâncias mais importantes em uma democracia – não chega aos 20%. No Brasil, em particular, a situação é mais grave: menos de 10% no Congresso Nacional, entre 11% e 12% nas Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais. Menos de 12% dos eleitos na última eleição, considerando todos os cargos em disputa, são mulheres. No entanto, o eleitorado brasileiro, em 2010, era composto majoritariamente por mulheres. Sabemos todos que a questão da representação é complexa e não deve ser abordada de uma maneira mecânica, mas o gritante hiato de gênero, no que se refere à ocupação de postos políticos, é mais do que suficiente para embasar a acusação de sub-representação feminina.
Leia também
As nações que desenvolvem ações afirmativas têm conseguido diminuir as desigualdades de gênero. A participação feminina na política latino-americana e caribenha vem crescendo consideravelmente na última década, de acordo com o relatório Estado das Cidades da América Latina e Caribe, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). Nos legislativos locais, o número de vereadoras já alcança 22%. Em 1999, eram apenas 14%.
Além disso, o estudo ressalta que o fato de países como Argentina, Brasil e Costa Rica terem mulheres como chefes de Estado é um “indício claro e positivo” da participação feminina nos espaços políticos, muito embora ainda muito pequeno. Outro fato marcante para a questão de gênero na região foi a criação da ONU Mulheres – dirigida pela ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet.
Na Costa Rica, existe uma cota de 30% para mulheres em cargos públicos. A legislação eleitoral brasileira estabelece uma cota de pelo menos 30% de candidatas mulheres em cada eleição parlamentar. Essas práticas, certamente, têm contribuído para aumentar a participação das mulheres na política. Lamentavelmente, ainda há países que se recusam a discutir a questão de gênero.
Em 2009, segundo o estudo da ONU a que me referi, a Costa Rica era o país da região com a maior porcentagem de vereadoras (43%). Em Trinidad e Tobago, o número chegava a 31%, e no Peru, a 30%. Belize, Cuba, Chile, Equador, El Salvador, México, Nicarágua, Paraguai e República Dominicana tinham mais de 20% das mulheres nesses cargos. O Brasil aparecia com pouco menos de 20%. O Uruguai era o último da lista, sem nenhuma vereadora.
Já nas prefeituras, as mulheres representavam, também em 2009, apenas 10% do total dos administradores das cidades latino-americanas e caribenhas. As exceções, de acordo com o relatório, são Belize, com 22% das prefeituras ocupadas por mulheres; Cuba, com 20%; e Venezuela, com 18%.
Por isso é que nós abraçamos com muita força a bandeira e a defesa da proposta do estabelecimento de um sistema eleitoral novo, de lista fechada, pré-ordenada e tendo-se um rodízio, uma permuta entre homens e mulheres, escalonadamente: um homem, uma mulher, um homem, uma mulher. Foi exatamente por conta desse novo sistema eleitoral que países como Costa Rica e Argentina e tantos outros do mundo avançaram, e o Parlamento dessas nações hoje tem uma presença superior a 30%, 40% de mulheres.
No continente americano , segundo pesquisa da Inter-Parliamentary Union (IPU), em janeiro de 2012, Cuba, Nicarágua, Costa Rita, Argentina e Equador eram os países com o maior percentual de mulheres no Parlamento. Já o Uruguai e o Brasil aparecem respectivamente na 26º e 30º posição, dentre 34 países pesquisados.
Defendemos esse sistema de listas preordenadas para garantir a implementação das cotas com alternância de gênero e a ampliação da democracia partidária.
Apresentei essa proposta na Comissão de Reforma Política do Senado brasileiro no ano de 2011, mas a esmagadora maioria de homens na Câmara Alta impediu que a proposta fosse aprovada, revelando essa grave discriminação que ainda sofremos, sobretudo na política.
Mas por que é tão importante uma participação maior da mulher na política? Por que a causa das mulheres está diretamente ligada à causa dos excluídos e dos discriminados. As mulheres tendem a enfatizar e a lutar mais por uma agenda de reivindicações que incorpore os temas de justiça social, em uma luta mais efetiva contra as desigualdades; mais mulher no poder certamente redunda em uma maior legitimidade democrática; seus interesses, perspectivas e visões de mundo podem contribuir para as soluções de conflitos; as mulheres tendem a ser mais eficientes no uso dos recursos públicos, além do que, tendem a exercer o poder de modo mais compartilhado.
Na medida em que essas políticas de cotas forem implementadas nos países, haverá uma melhoria substancial na representação política da mulher no espaço de poder. Fazendo isso, vamos melhorar também as relações familiares, as relações no trabalho e diminuir a violência contra as mulheres que ainda é assustadora nos países da nossa região.
É preciso reconhecer os esforços heroicos de todas as mulheres, célebres e anônimas, que se recusaram a deixar-se emudecer, que lutaram por aquilo que deveria ser óbvio e incontestável: sua dignidade, sua visibilidade, seu direito de dividir com a outra metade do gênero humano, em pé de igualdade, os ônus e os bônus da vida social. São todas estas mulheres que devem servir de exemplo para as mais jovens, que serão as protagonistas da necessidade de diminuir as diferenças e as discriminações nos nossos países.
* É senadora pelo PCdoB do Amazonas, procuradora da Mulher do Senado e farmacêutica.
Deixe um comentário