Boa parte do mutismo de Jair Bolsonaro desde que ficou conhecido o resultado final das eleições presidenciais deste ano decorre mesmo de um estado depressivo. Bolsonaro acreditou nas próprias lorotas que contava. Quando acabou derrotado para Luiz Inácio Lula da Silva, sua ficha caiu. Bolsonaro constatou que, mais do que derrotado por Lula, ele perdeu as eleições para ele mesmo. Para a sucessão de erros de avaliação cometidos a partir de um governo que tinha como premissa a distorção, a confusão e – essa é a verdade – a mentira. Um processo tão massivo que acabou distorcendo, confundindo e tornando falsa a perspectiva do próprio Bolsonaro.
A covid-19 não foi uma gripezinha. Em fevereiro, dados do Observatório da Covid, da Fiocruz, diziam que no Brasil houve quatro vezes mais mortes pela pandemia que a média mundial. São quase 700 mil as vítimas da covid no país.
Quando, no começo da pandemia, as Forças Armadas e o Ministério da Saúde uniram-se para retirar da China os brasileiros que viviam na cidade de Wuhan, palco inicial da doença, a operação foi um sucesso. Se Bolsonaro tivesse seguido na mesma linha, teria a chance de entabular um discurso no sentido de mostrar o quão positiva era a participação militar em um governo, pela sua capacidade de logística e organização. Mas Bolsonaro preferiu ter inveja do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Preferiu temer a ascensão do então governador de São Paulo, João Doria, que, no final, nem candidato à Presidência foi. Por razões que nada têm de ideológicas, resolveu menosprezar a pandemia, apostar contra a sua evidente gravidade. A pandemia derrotou Bolsonaro. Menos pela pandemia e mais por sua teimosia. E Bolsonaro sabe disso.
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De acordo, porém, com fontes próximas do presidente, ele já começa a sair do momento de ficar remoendo os remorsos pelos próprios erros cometidos. E, a essa altura, em parte seu mutismo já tem outro propósito.
Alguns de seus aliados já o convenceram de que, apesar da derrota, o resultado das eleições não é assim tão horrível para ele. Ainda que seja o primeiro presidente não reeleito desde que esse instituto foi incorporado, ele é o segundo candidato à Presidência com maior votação da história (perde, evidentemente, para Lula que ganhou a parada). Perdeu “por una cabeza”, como diria aquele tango argentino. Ou seja: há um considerável potencial de oposição ao novo governo Lula que Bolsonaro poderá vir a comandar como principal líder.
Bolsonaro começou a compreender melhor essa possibilidade. Mas resolveu permanecer no mutismo. Se em parte porque ainda se encontra deprimido, em parte faz isso agora também com outro propósito. Ele quer mapear exatamente o tamanho da oposição que lidera. Com quem ele realmente conta.
PublicidadeAssim, testa a renitência do bolsonarismo raiz que acampa na frente dos quarteis. A ideia é manter essa turma mobilizada até a posse de Lula. Fazer com que Lula tome posse com essa gente a postos tomando chuva de verde e amarelo. Para dimensionar o tamanho da oposição popular ao novo governo. Certamente não ajuda muito seu filho Eduardo Bolsonaro enquanto isso ir tomar champanhe e comer lagosta no Qatar, mas essa é outra história.
E o mutismo também serve para mapear o tamanho do apoio político. Bolsonaro sabe que boa parte daqueles que estavam com ele estavam por pragmatismo. Pelas vantagens que há em se estar próximo de um governo. É uma turma que provavelmente vai se bandear para continuar próxima de um governo, porque é assim que atua.
Para vir a liderar a oposição, Bolsonaro quer de fato saber qual é o tamanho dela. E a decisão de cortar verbas do orçamento secreto já tem a ver com esse mapeamento. Deixando à míngua aqueles que, usando uma expressão de Leonel Brizola, já “costeiam o alambrado”, ou seja, já ensaiam pular para o outro lado, Bolsonaro já dá aí um sinal enquanto ainda está de posse da caneta.
Bolsonaro está mudo. Mas ainda está vivo.
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