Há exatos 274 anos, Montesquieu formulou a ideia do sistema de freios e contrapesos entre os poderes. A ideia é que os poderes atuam de forma equilibrada e equipotente. Dentro das suas atribuições, um poder regula o outro. Quando um poder extrapola, os outros atuam para contê-lo. É o chamado sistema de freios e contrapesos.
Não há a menor dúvida de que já há algum tempo os três poderes brasileiros andam desequilibrados. E é nesse desequilíbrio que consiste a grande ameaça à democracia brasileira. Uma ameaça que ainda não se dissipou totalmente. A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva a partir da aliança de um amplo conjunto de forças democráticas foi somente o primeiro passo. E muito cuidado ainda vai precisar ser tomado.
Desde o seu primeiro momento, o governo Jair Bolsonaro foi uma ameaça à democracia nos moldes de outros governos autocráticos que surgiram pelo mundo, de esquerda e de direita. Tais governos tentam minar a democracia por dentro. A partir da sua própria popularidade, vão estabelecendo novas regras e mudanças legais que jogam a democracia por terra. Reeleição em mandatos sucessivos, aumento da composição da Suprema Corte para obter maioria sempre são alguns dos caminhos.
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Aqui e nos Estados Unidos, uniu-se a isso a ideia de contestar o sistema eleitoral para tentar justificar um golpe autoritário. Bolsonaro aqui seguiu a mesma receita de Donald Trump lá. Nos Estados Unidos, a estratégia de Trump era questionar a possibilidade do voto pelos Correios. Aqui, a urna eletrônica. Mas o mesmo tipo de contestação sem comprovação. Para colocar em dúvida os próprios pilares da democracia, provocar o caos e, a partir do caos, tentar uma intervenção autoritária. Lá, isso resultou na invasão do Capitólio. Aqui, no episódio terrorista da última segunda-feira (13).
Como já explicamos outras vezes, na incorporação das estratégias militares na política que a turma da direita usa, há a ideia de ocupação de cabeças de ponte. Avançar uma tropa no território inimigo. Se o inimigo não reagir, avança-se a partir do novo ponto ocupado. Se o inimigo reagir, recua-se. Bolsonaro faz isso o tempo todo. E se não conseguiu avançar, deve-se muito ao protagonismo do poder Judiciário, que resolveu assumir a condição de freio e contrapeso das diatribes de Bolsonaro.
Alguns podem se queixar do estilo do ministro Alexandre de Moraes, o “Xandão”, como seus inimigos bolsonaristas apelidaram. Mas há uma forte percepção de que a sua atuação no Supremo Tribunal Federal (STF), na condução do inquérito dos atos antidemocráticos, e especialmente na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi fundamental para evitar os arroubos autoritários. Na cerimônia de diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva, esse reconhecimento da classe política ficou claro.
PublicidadeA operação policial que ele determinou nesta quinta-feira (15) vai na mesma linha. Depois dos atos terroristas de segunda, Moraes tenta sufocar os golpistas. E há coisas graves e inacreditáveis encontradas. Como o potencial bélico que a polícia achou nas casas dos deputados estaduais do Espírito Santo Carlos Von (DC) e Capitão Assunção (PL).
Um ponto curioso desse desequilíbrio de poderes é que se Bolsonaro tentou arroubos autoritários por um lado, por outro ele abriu mão de alguns poderes e com isso fortaleceu o Legislativo. Para se blindar dos mais de cem pedidos de impeachment e talvez pela própria inoperância, Bolsonaro tornou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), superpoderoso, dono da chave do cofre do orçamento secreto.
Lira movimentava-se – ainda se movimenta – para politicamente preservar esses poderes. Mas, aí, na quarta-feira (14), saiu de cena o “Xandão” e entrou o “Rosão”. A despeito de todas as negociações e ameaças, a presidente do STF, Rosa Weber, manteve de forma demolidora o seu propósito de acabar com o orçamento secreto, mostrando com detalhes por que ele é inconstitucional. O julgamento prossegue nesta quinta com o voto dos demais ministros.
Nesse processo de desequilíbrio dos poderes, o Judiciário aciona seus freios e contrapesos. Mas tudo continua desequilibrado e desorganizado. Os demais poderes reagem. A ação de “Rosão” fez a PEC da Transição subir no telhado.
O risco dessa história toda é que o Judiciário precisa ter plena consciência do seu papel. Para não acabar por extrapolá-lo e desandar ainda mais o caldo. É bom que o Judiciário acione seus freios. Mas quem trava a trava do Judiciário se ela também passar do ponto?
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