Cumprindo sua missão institucional, nos termos do disposto na Resolução 42/2016 do Senado Federal, a Instituição Fiscal Independente (IFI) entregou o seu 82º Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), relativo ao mês de novembro de 2023.
Trata-se de um momento decisivo para a política fiscal brasileira em função especialmente de três eventos paralelos com profundos impactos nas finanças públicas.
Em primeiro lugar, a implantação do novo regime fiscal previsto na recém aprovada Lei Complementar 200/2023 e da meta enviada no texto do PLDO/2024, fixando déficit primário zero já no próximo ano. A declaração do próprio presidente da República, em entrevista coletiva, onde afirmou: “… Quero dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero”, fortaleceu incertezas já presentes e desencadeou diversas iniciativas visando a mudança da meta fiscal para 2024. O Ministério da Fazenda reafirmou o compromisso com o déficit primário zero no próximo ano e parece ter pacificado a questão.
Em segundo lugar, a iminente aprovação, pelo Congresso Nacional, da Reforma Tributária. Embora seu foco não seja o ajuste fiscal, e sim a simplificação do sistema e o aumento da eficiência e produtividade geral da economia, certamente poderá produzir efeitos positivos no aumento das receitas públicas, assim como gera pressão por novas despesas primárias através dos fundos criados e autorizados. Neste momento é difícil mensurar estes impactos porque o texto constitucional ainda poderá ser alterado na Câmara dos Deputados e ainda restará uma longa caminhada nas votações das leis complementares e ordinárias, que detalharão a reforma.
Leia também
Por último, a tramitação do conjunto de iniciativas legais do governo federal visando o aumento de arrecadação necessário para o cumprimento da meta de resultado primário zero. Ainda é difícil antever quais as medidas receberão ou não aprovação parlamentar. E posteriormente, quais ensejarão questionamentos judiciais. Constam deste rol de propostas a tributação federal sobre subvenções econômicas oferecidas pelos estados, apostas eletrônicas de quota fixa, fundos fechados e offshores (aprovada esta semana) o fim da dedutibilidade de Juros sobre o Capital Próprio, o Novo Regime de Tributação Simplificada sobre importações (RTS), além da recuperação de créditos no âmbito do CARF.
A IFI, mesmo diante deste quadro volátil povoado de incertezas, faz através do RAF 82 sua revisão de cenários, com a atualização das projeções de curto e médio prazos, sempre trabalhando com um cenário base, um cenário otimista e outro pessimista. A IFI projeta um crescimento real do PIB no cenário base, este ano, de 3,0%, declinando em 2024 para 1,2% e situando-se nos anos subsequentes no patamar médio de 2,0%. Quanto à inflação, a IFI projeta um IPCA de 4,6% em 2023, 4,0% em 2024, e nos anos subsequentes, uma suave convergência em direção ao centro da meta. Pesam sobre estes cenários delineados as incertezas no plano doméstico e os elementos criticamente adversos do cenário externo (política monetária americana, desaceleração do crescimento chinês, conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, crise na Argentina, etc.).
PublicidadeO novo cenário macroeconômico revisado pela IFI necessariamente impactará no comportamento das receitas orçamentárias do OGU. Mesmo considerando a elasticidade receita/PIB, o RAF 82 identifica uma perda de impulso advindo do movimento virtuoso do aumento dos preços das commodities, elemento decisivo para os ganhos em 2021 e 2022, e a impossibilidade de aquilatar, neste momento, os efeitos da reforma tributária. Considera, ainda, os impactos da renovação da desoneração da contribuição previdenciária, aduzida da redução de alíquota para municípios menores, introduzida pelo Congresso Nacional. A IFI projeta um resultado muito mais conservador para as novas receitas advindas do conjunto de projetos de lei e medidas provisórias em apreciação pelo Congresso Nacional; realça os efeitos da queda da produção e dos preços do petróleo nas receitas orçamentárias; indica a queda da receita de dividendos e participações, em função da estratégia de retenção de fundos pelas estatais para suportar o aumento de investimentos; detecta o aumento das transferências já que haverá incremento das receitas compartilhadas; e, prevê a convergência da arrecadação líquida do RGPS para o eixo de 5,7% do PIB. Como cenário de médio prazo, a IFI estima que as receitas estarão cada vez mais alinhadas com a evolução do PIB nominal.
Em relação ao desempenho das despesas primárias e sua repercussão no resultado fiscal, a IFI considera baixo o risco de descumprimento dos limites fixados para 2023, graças as flexibilizações introduzidas pela Emenda Constitucional no. 126, conhecida como a “PEC da Transição”. Dentro disto, a meta de déficit para 2023 é de 65,9 bilhões de reais. O déficit primário efetivo, no entanto, deverá se situar, segundo a IFI, acima de 1% do PIB. A arrecadação vem tendo um desempenho abaixo do previsto, mas as despesas também caíram em relação à estimativa de maio. As despesas com pessoal e encargos caíram em relação a previsão anterior. Já os desembolsos do INSS (RGPS) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) observaram um discreto aumento. O Programa Bolsa Família, após sua ampliação, deverá consumir 167,3 bilhões em 2023. A IFI destaca que a limitação dos gastos com precatórios deriva em um alívio no curto prazo e uma sobrecarga à médio prazo. A situação poderá ser invertida se a AGU obtiver êxito em sua consulta ao STF, o que permitirá a regularização do fluxo de pagamentos dos precatórios e honrar estes passivos através de créditos extraordinários. A IFI identifica elevado risco de descumprimento das metas de resultado primário a partir de 2024. O ajuste é desafiador e está centrado principalmente no desempenho das receitas primárias. A IFI projeta déficits primários em 2024 de 0,9% do PIB no cenário otimista, 1,1% do PIB no cenário base e 1,5% no cenário pessimista, como uma melhoria a médio e longo prazos nos cenários otimista e base. Além disso, a IFI aponta que a Reforma Tributária gerará impactos adicionais na ampliação das despesas primárias graças à criação do Fundo de Desenvolvimento Regional e do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e da autorização de criação de dois outros fundos voltados para o desenvolvimento da Amazônia.
Por último, o RAF 82 trata da dinâmica da dívida pública. A IFI realça que a Dívida Bruta deve subir a 75,1% do PIB em 2023 e 78,1% em 2024, permanecendo em trajetória ascendente nos anos subsequentes. No cenário base revisto, a IFI identifica que o resultado primário necessário para estabilizar a dívida é de 1,4% do PIB. Na atualização dofan chart, a partir de diferentes mil e quinhentos cenários estocásticos, a IFI projeta que a probabilidade de a DBGG cruzar o patamar de 90% do PIB, entre 2024 e 2028, é de 38,7%.
Com a atualização de cenários feita neste RAF 82, a IFI reafirma sua percepção de que o cenário fiscal de curto e médio prazo é extremamente delicado e que as instituições brasileiras têm que redobrar esforços para garantir um horizonte fiscal consistente como elemento essencial do processo de desenvolvimento sustentado.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário