O Banco Central do Brasil enfrenta um significativo déficit de servidores. Atualmente, a instituição tem aproximadamente 50% de cargos vagos, cenário agravado pela falta de concursos regulares e pela aposentadoria de 1.436 servidores desde o último certame, realizado em 2013.
A defasagem do quadro funcional, longe de ser apenas um dado, pode esconder repercussões extremamente danosas ao país no médio e longo prazos, como o comprometimento da execução de atividades operacionais essenciais: a supervisão financeira, a gestão de reservas e a implementação de inovações tecnológicas, a exemplo do Pix e do Drex. Além disso, os sistemas críticos do BCB, como o Sistema de Transferências de Reservas (STR) e o Sistema de Administração de Reservas Internacionais (SAR), também estão expostos a riscos em virtude da falta de pessoal.
A notícias da realização de um novo concurso, há muito pleiteada junto às sucessivas administrações, foi recebida com entusiasmo. Todavia, as 100 vagas autorizadas pelo governo no certame de 2024 cobrem apenas 3,86% da vacância existente, percentual que não é suficiente sequer para compensar as 303 aposentadorias previstas no curto prazo. Até o final de 2025, a expectativa é que 459 servidores se aposentem.
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Esse panorama agrava a vulnerabilidade do BCB em relação a ataques cibernéticos, falhas operacionais e atrasos em projetos estratégicos. Entre os projetos, destacam-se o avanço no desenvolvimento do Drex, a expansão de funcionalidades do Pix e iniciativas de sustentabilidade, como o Teste de Estresse Climático e o Programa de Transformação Ecológica (PTE).
Em 2023, 65% dos projetos de inovação e regulamentação do BCB sofreram atrasos devido à falta de orçamento e servidores. Projetos cruciais relacionados ao Drex e a Pix, bem como a regulamentação da nova lei cambial foram impactados diretamente.
Até 2013, os concursos eram realizados, em média, a cada 4 anos. O hiato recente resultou em uma vacância superior a 50% apenas no cargo de Analista, com 2.667 cargos vagos, configurando a maior defasagem da história da Autarquia. O quantitativo de vagas no atual certame representa apenas 18% do pedido original (545 vagas) feito pelo BC ao Ministério da Gestão e da Inovação (MGI).
Outro dado preocupante é que, entre 2009 e 2023, houve uma redução de 31% no número de servidores da Instituição, enquanto o quadro de pessoal do Executivo Federal aumentou em média 2%. Essa disparidade reflete uma diminuição significativa na capacidade operacional do BCB em comparação a outros órgãos.
Sem desprezar as virtudes do avanço das ferramentas tecnológicas, sobretudo do incremento da inteligência artificial, resta claro que não há solução que não passe pela recomposição dos quadros da Autarquia. Estudos indicam que a nomeação de candidatos já vinculados à administração pública poderia gerar economia orçamentária significativa, com um custo anual reduzido para R$ 70,8 milhões. Além disso, a convocação de todo o Cadastro de Reserva é essencial para evitar um impacto ainda maior sobre a continuidade e a qualidade dos serviços prestados pela Autoridade Monetária, garantindo a execução de projetos fundamentais para a estabilidade financeira do país.
Pelo enquadramento justo
A proposta de reestruturação das carreiras do Poder Executivo Federal, elaborada pelo MGI, está baseada nos acordos firmados com as entidades representativas das categorias. A minuta do Projeto de Lei / Medida Provisória ainda não foi divulgada.
Porém, não há registro formal prevendo regra de transição para concursados aprovados e ainda não nomeados, nos concursos em andamento, quando da efetivação da reestruturação acordada com os sindicatos. Esta lacuna, que tem passado despercebida por muitos, pode resultar em alterações das condições previstas nos editais, afetando, por exemplo, o enquadramento funcional.
A situação compromete três aspectos:
- Segurança Jurídica: a ausência de regras de transição quebra a segurança jurídica ao modificar as condições previamente definidas nos editais, entre a realização do concurso e a nomeação.
- Equidade: servidores aprovados em um mesmo certame podem ser posicionados em situações desiguais, com defasagem funcional de até 7 anos e diferenças remuneratórias de até 25%.
- Atratividade e motivação: estas desigualdades desestimulam novos ingressantes, comprometendo a atratividade e a motivação no serviço público, o que pode afetar a renovação e a qualidade dos quadros funcionais.
Por fim, a inclusão de regra de transição explícita e igualitária é o caminho mais adequado para garantir a segurança jurídica e preservar a isonomia entre os servidores oriundos do mesmo concurso.