Santo Agostinho de Hipona (354 – 430) foi um filósofo cristão, nascido na cidade de Tagaste, hoje território da Argélia. Sobre ele e sua obra vamos tratar “en passant” neste artigo.
Ao longo de sua vida, dedicou-se a estudar o sentido do bem e do mal, indicando caminhos à Igreja e aos primeiros seguidores de Cristo carentes de base filosófica para sustentar a fé.
Pai pagão e mãe devota (Santa Mônica), converteu-se ao catolicismo quando vivia hedonisticamente na luxúria e amoralidade.
Suas obras estão facilmente disponíveis para nosso consumo. Recentemente, compulsei o tratado “Sobre a mentira” (395), no qual o teólogo se debruça sobre a verdade, como principal pilar da sua reflexão.
Nesse trabalho, a mentira, como contraponto à verdade, é decomposta em curtos capítulos.
Afiança Agostinho que a mentira é fruto de uma vontade deliberada de ludibriar. É omissão da parte de quem “pensa ou sabe a verdade de uma coisa, mas não a exprime e diz outra no lugar daquela, sabendo ou pensando que é falsa”.
O tema seria maçante aos não iniciados, não fosse a aproximação das rondas eleitorais e das querelas que elas produzirão.
Nem é preciso esforço para correlacionar os achados agostinianos com o falar e agir dos concorrentes aos cargos eletivos em disputas no próximo outubro.
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O filósofo afirma que existe diferença entre o mentiroso e o mendaz. Fui ao velho dicionário Aurélio. Mendaz: “1. Mentiroso, hipócrita, falso. 2. Traiçoeiro, desleal, pérfido”.
Aparentemente termos sinônimos, ele os diferencia: existe aquele que mente até sem querer, mas um mendaz ama mentir. Regozija-se interiormente mentindo. Salvo outro juízo, o mendaz é mais deletério.
Declara Agostinho que alguns desejam agradar com mentiras, sendo afáveis em seus discursos, para não magoar ou afrontar (no contexto de momento, perder o voto).
Talvez preferissem enunciados verdadeiros, mas ao faltar-lhes substância moral ou legitimidade no discurso, optam por mentir e se calar. A nossa Ágora está cheia dessas figuras dantescas a desdizerem diariamente o que disseram, sem nem ruborizar. É a mentira institucionalizada.
Em seguida, Agostinho assevera que essas classes de mentirosos não prejudicam em nada os que creem neles. É suficiente para quem crê, que julgue possível que aconteça aquilo que lhe é dito, e que tenha fé na pessoa que lhe diz isso, a qual não deve ter motivos para temer que esteja mentindo.
Em nossos dias chamaríamos de bolha dos convencidos ou viés de confirmação. Por mais que nos disponhamos a mostrar-lhes outros aspectos de uma verdade (e não devemos tomar a nossa verdade como exclusiva), não lhes resta espaço cognitivo para encaixar discordâncias. Foram assumidos, em suas consciências, pelos mendazes envolventes.
Já na primeira semana do ano, a quantidade de aleivosias que ouvimos de políticos e seus asseclas, reconstruindo o passado errático sob nova ótica (um reescrever a história como na obra de George Orwell, “1984”) ou lorotas futuras, não razoáveis que se cumpram, já nos dá o tom das campanhas.
De volta ao santo, se a verdade liberta de todo o erro, a falsidade implica nele. Portanto, não é pela falsidade que se chegará à verdade. Esqueçam os bordões eleitoreiros não praticados.
Por fim, o teólogo alega que os mentirosos se prejudicam como indivíduos na fé (afinal é um texto com bases religiosas): por abandonarem a verdade quando a mentira lhes dá prazer, por preferirem agradar a outrem a dizer a verdade.
Quem de fato, no inferno da política, está preocupado com o bem e o mal? Com a verdade e a mentira? A preocupação é, tão somente, de chegar ou manter o poder.
No plano terreno, os mendazes da política, pela má fé que os adorna, prejudicam em demasia a sociedade a quem deviam servir. Santo Agostinho pode até compreendê-los, mas, humano que somos, exigimos punição para eles!
Paz e bem!