Em seu depoimento à Polícia Federal sobre o suposto plano orquestrado por aliados próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro para espionar o ministro Alexandre de Moraes e elaborar um golpe de Estado, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) trouxe Bolsonaro de volta à liderança no crime, desta vez auxiliado por seu ex-ministro Augusto Heleno. Esta é a terceira versão relatada por ele sobre o plano, desta vez não mais envolvendo o ex-deputado Daniel Silveira.
Em menos de 12 horas desde a primeira denúncia, o senador Marcos do Val já havia mudado sua versão a respeito da tentativa de golpe de Estado e, em vez de ajudar o ex-presidente Jair Bolsonaro, atribuiu dois crimes a ele. Na primeira versão, contada por Marcos do Val à revista Veja, Bolsonaro era parte ativa da tentativa de golpe. Na segunda versão sustentada agora por ele, Bolsonaro ouviu a tentativa de golpe e nada fez para contê-la ou denunciá-la. A primeira versão enquadra Bolsonaro no crime de golpe de Estado, previsto no artigo 359-L do Código Penal. A segunda versão coloca o ex-presidente como autor do crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do mesmo Código Penal.
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Em uma entrevista nervosa no início da tarde no Senado, Marcos do Val foi confrontado com o fato de que sua mudança de versão apenas joga Bolsonaro do cometimento de um crime para o cometimento de outro. “Se Bolsonaro soube da proposta e nada fez, é preciso perguntar a ele”, respondeu o senador.
Na primeira versão, que Marcos do Val anunciou ao participar de uma live do Movimento Brasil Livre (MBL), ele afirmou, em entrevista à Veja que Bolsonaro e o ex-deputado Daniel Silveira (sem partido-RJ) lhe propuseram participar de uma tentativa de golpe. A ideia consistia em fazê-lo gravar ilegalmente uma conversa com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes na qual o ministro se incriminasse. A gravação seria usada, então, contra Moraes dando início ao golpe. Marcos do Val não apenas não aceitou a proposta como a denunciou a Moraes.
Na segunda versão, Marcos do Val afirma que a ideia teria partido inteiramente de Daniel Silveira. E que Bolsonaro apenas a ouviu balançando a cabeça. A segunda versão segue sendo um problema para Bolsonaro: um servidor público que tem conhecimento da tentativa de cometimento de um crime e nada faz, comete também um crime, chamado de prevaricação.
Extremamente nervoso, Marcos do Val foi abordado pelos jornalistas no corredor que liga o plenário do Senado às comissões, conhecido como Túnel do Tempo. Ele tentou por várias vezes livrar-se dos jornalistas sem conseguir, caminhando e dando voltas. Tentou primeiro entrar no plenário pela porta lateral que leva á bancada de onde a imprensa assiste às sessões. Desistiu. Tentou, então, entrar pela porta principal do plenário. Desistiu também. Finalmente, tentou pela porta que fica ao lado do cafezinho dos senadores. Outra vez, desistiu. E deixou o Senado pelo elevador que liga o andar do plenário à Chapelaria.
PublicidadeAlém de tentar agora assegurar que Bolsonaro nada disse sobre a proposta de golpe feita por Daniel Silveira, Marcos do Val tentou também evitar afirmar que o encontro entre ele, Bolsonaro e Daniel Silveira se dera dentro do Palácio da Alvorada. O Palácio da Alvorada é um aparelho de Estado, um endereço público, o que agravaria o cometimento do crime de prevaricação.
“Eu não sei onde foi o encontro”, disse o senador. “O senhor não conhece o Palácio da Alvorada?”, perguntou um jornalista. “Eu nunca estive lá”, respondeu. “Mas o Palácio é conhecido”, insistiram os repórteres. “Eu não estava no meu carro, e entramos por uma entrada lateral”, insistiu ele. As amplas linhas do palácio desenhado por Oscar Niemeyer são internacionalmente conhecidas.
Daniel Silveira foi preso na manhã desta quinta-feira no Rio de Janeiro por descumprimento de medida judicial. Ele se encontra no presídio de Benfica, e deverá prestar depoimento.
Depoimento na PF
Em um áudio vazado pela Veja do depoimento de Marcos do Val à Polícia Federal, o senador novamente puxou Bolsonaro para perto de si na narrativa, afirmando que os dois se comunicaram pessoalmente sobre o plano de espionar o ministro Alexandre de Moraes. Questionado sobre o tom da conversa, respondeu que o ex-presidente falava “naturalmente, igual tava falando comigo”, e que ele “é sem noção das consequências”.
O parlamentar ainda incluiu um novo elemento na narrativa: ao delegado, disse que o presidente havia acionado do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pelo aparato de inteligência da presidência da república e até então sob chefia de Augusto Heleno, para auxiliar o senador em sua missão. O gabinete ficaria encarregado de equipar do Val com escutas eletrônicas, bem como com material de comunicação para que o senador pudesse ser orientado sobre como conduzir a conversa até incriminar o ministro.
Ele ainda diz que, na conversa com Bolsonaro, o ex-presidente teria dito “eu derrubo, eu anulo a eleição, o Lula não toma posse, eu continuo na Presidência e prendo o Alexandre de Moraes por conta da fala dele”.
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