Passadas as eleições municipais de 2024 é natural que as especulações comecem a avançar. Quais as forças políticas foram vitoriosas no pleito? Que partidos cresceram e quais retrocederam? Quem ampliou o seu capital político e quem saiu desgastado? Como esse quadro partidário impactará em 2026? Diagnósticos e prognósticos não faltam. Sobretudo aqueles focados no desempenho dos partidos em relação às prefeituras e as novas lideranças surgidas e outras que se consolidaram. Mas uma questão sempre em aberto diz respeito aos legislativos municipais: afinal de contas quais cadeiras foram conquistadas, por quem e o que isso significa em termos políticos? Comumente as análises negligenciam o papel das câmaras municipais e as mudanças políticas nesse ínterim. Nos limites desse texto, atenção especial será dada às mudanças no território da política paulista, o qual passou nos últimos anos por mudança em relação ao quadro partidário.
Quando comparados os resultados entre 2020 e 2024, chama a atenção um fator especial: o PSDB. O declínio dos tucanos em um território estadual controlado por eles nas últimas décadas é simbólico dos desafios que o partido enfrenta. Derrota mais expressiva, em termos numéricos e simbólicos, ocorreu em relação à quantidade de vereadores. Do único partido a conquistar mais de mil cadeiras em 2020 (exatamente 1.207), dessa vez a sigla só conseguiu eleger 313 vereadores. Saiu da primeira colocação para a oitava posição considerando os partidos políticos que conseguiram, ao menos, uma cadeira em legislativos municipais paulistas. Seu saldo é de -894 cadeiras. Na contramão, a sexta força partidária no estado, o PSD, o qual em 2020 havia eleito 577 vereadores, saltou para a primeira posição ao eleger nesse ano 1.071 parlamentares, roubando a cena do PSDB. Nesse caso, o saldo positivo é de 494 cadeiras.
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A ascensão do PSD está intimamente relacionada à mudança no comando do governo do estado de São Paulo. Com a derrota de Rodrigo Garcia (PSDB em 2022 e, atualmente, sem partido) que amargou terceira posição na corrida pelo Palácio dos Bandeirantes há dois anos, o candidato apadrinhado pelo bolsonarismo, Tarcísio de Freitas (REPUBLICANOS) foi quem levou a melhor sobre Fernando Haddad (PT) à época. O atual governador contou com toda a experiência política do líder nacional do PSD, Gilberto Kassab, atualmente seu Secretário de Governo e Relações Institucionais, o qual além de endossar o processo de construção da liderança política de Tarcísio no estado aproveita da sua condição de braço direito para expandir os domínios de sua sigla. Mas não se beneficiou sozinho. Voltando ao quadro partidário, as siglas que apresentaram exponencial crescimento à frente das câmaras municipais foram Republicanos e o PL. Por sinal, o crescimento do partido do governador foi o mais expressivo: de 375 vereadores eleitos em 2020 para 876 em 2024. Maior saldo positivo do estado, 501 cadeiras a mais. Colado nele vem o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro: saltou de 497 cadeiras em 2020 para 994 em 2024. Nesse caso, o saldo foi de 497 novos vereadores.
Assim como o PSDB, em sua esteira, partidos que eram antigos aliados também amargaram expressivas derrotas. É o caso do DEM, o qual havia se fundido com o PSL em 2021 constituindo o União Brasil. A sigla perdeu ao menos 294 cadeiras ao considerar o somatório de DEM e PSL em 2020 e o desempenho do União Brasil em 2024. Quem apresentou derrota ainda maior foi o partido resultante de outra fusão, envolvendo PTB e Patriota, o PRD. Seu encolhimento foi de 411 cadeiras em 2024 ao comparar com o resultado de PTB e Patriota somados em 2020, quando juntos haviam conseguido 570 vereadores eleitos. Portanto, em 2024, o PRD elegeu somente 159 vereadores.
Quem manteve a sua relativa estabilidade foi o MDB, o qual rivaliza com o PSD o posto de controle de cadeiras nos Legislativos, mas tem se beneficiado, nacionalmente, das coligações com ele nas disputas pelos Executivos Municipais. Parcerias estratégicas, talvez. Nos legislativos municipais paulistas o MDB cuja figura de Baleia Rossi (deputado federal) é muito valorizada, sobretudo no interior do estado, apresentou um saldo positivo de 75 cadeiras. Saiu de 665 vereadores eleitos no estado para 740. No entanto, deixa o posto de segundo maior partido em termos de representação das câmaras municipais para se tornar a quarta força política. Ou seja: se considerar que muitas das candidaturas identificadas com o bolsonarismo no estado estiveram alocadas sobretudo no PL e no Republicanos, entre os dois partidos mais ao centro e gelatinosos, PSD e MDB, Kassab conseguiu feito melhor que o de Baleia Rossi. Ao menos no território da política paulista, pois nacionalmente o MDB continua a liderar as câmaras de vereadores com 8.050 parlamentares eleitos, seguido do PP com 6.904 e, em terceiro lugar, do PSD com 6.559. Ainda nacionalmente, quem mais cresceu comparando 2020 a 2024 foi o Republicanos (saldo positivo de 2.018 cadeiras) seguido do PL (1.460 novas vagas conquistadas).
Por fim, quem amargou situação já esperada foram os partidos que compõem a oposição ao governo paulista atual e que se reverbera na maioria dos municípios. O PT apresentou discreto crescimento, saindo de apenas 136 cadeiras em câmaras municipais em 2020 para 154, um saldo de 18 vereadores. Já Psol, Rede e PCdoB apresentaram queda na quantidade de cadeiras conquistadas. Juntos, somam 45 cadeiras no total. Dado irônico considerando um número que já foi vencedor na política paulista. Já o PV foi a sigla que sofreu maior revés na condição de pertencente à Federação Brasil da Esperança, pois esteve junto com o PT e o PCdoB na prática. Saiu de 232 cadeiras em 2020 para apenas 29! Um saldo negativo de 203 vagas perdidas. É de dar pena a sigla de Penna em São Paulo.
Em suma, esse olhar panorâmico para o quadro partidário representado nos legislativos municipais paulistas aponta para uma condição muito conhecida pelos especialistas: a força do governismo estadual e os desafios das oposições políticas. Tomando de empréstimo o conceito cunhado por Olavo Brasil de Lima Júnior, a “racionalidade política contextual” no estado de São Paulo reitera a lógica de que as condições concretas de controle da política estadual influenciam fortemente a adesão dos políticos espalhados pelos 645 municípios do estado. Se outrora muitos estavam no ninho tucano ou o sobrevoando, hoje parte expressiva dos políticos municipais prefere rodar sob o pavimento de Tarcísio e Kassab com muito verniz bolsonarista. Um novo quadro partidário parece se formar nesse território político e, nesse caso, contar com centenas de parlamentares municipais que possam endossar ideias, projetos e apoiar políticas esparramadas sob o estado parece ser recurso político estratégico. Não é garantia de futuras eleições, mas os líderes partidários sabem que ter junto a si vereadores é desfrutar de potenciais cabos eleitorais de luxo e propagadores de certas linhas políticas a partir dos municípios, o que certamente ajuda a construir liderança e conferir protagonismo.
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