Evaristo Pinheiro*
Marcelo Romanelli*
Segurança energética não deve ser um tema setorial e, sim, um debate de Estado. Um país vulnerável a choques externos e que não tem capacidade de resistir a condições adversas – sejam climáticas, econômicas ou geopolíticas – torna-se refém das crises internacionais e tem poucas condições de ser competitivo diante dos grandes players mundiais.
É a situação atual do Brasil, que, apesar de exportar cerca de um milhão de barris de petróleo por dia, ainda importa cerca de 600 mil barris de derivados de petróleo diariamente. Ou seja, exportamos o produto bruto e o importamos de volta com valor agregado – além da insegurança energética, é um desastre econômico, comercial e desenvolvimentista para o país. A situação também, invariavelmente, afeta a vida e o cotidiano das pessoas, pois derivados de petróleo são produtos essenciais para diversas atividades e cadeias produtivas.
De todo modo, em um país continental e federativo como o Brasil, a análise de segurança energética não pode se resumir aos grandes centros de desenvolvimento. Ela precisa estar presente nos quatro cantos do país.
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É evidente, portanto, que a região Norte é a que se encontra na situação de maior risco. Para se ter noção da gravidade da situação, em 2024, para gasolina e óleos diesel, mais de 50% do abastecimento do Estado do Amazonas dependeu de importações (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP).
Ainda, o desafio de abastecimento da região amazônica conta com diversos fatores de complexidade. O primeiro, claro, é a questão logística, que é agravada pelo enfrentamento de eventos climáticos extremos, como as secas severas que temos observado quase anualmente.
A questão toma contornos mais dramáticos ainda quando consideramos que a região é caracterizada por Sistemas Isolados de Energia Elétrica (são mais de 95 localidades, somente no estado do Amazonas) que dependem do diesel para abastecer termelétricas e enfrentam riscos significativos em caso de interrupções no fornecimento de combustíveis.
Assim, a continuidade da produção local de gasolina, diesel e outros derivados é essencial não apenas para o transporte e atividades econômicas, mas também para a manutenção de serviços básicos, como luz e água, para milhões de pessoas.
Todas essas questões levam ao fato de que o preço de derivados praticado na região Norte seja mais elevado do que o preço praticado segundo a média nacional. Dados da ANP apontam que, em dezembro de 2024, para o óleo diesel, o preço da região Norte era R$ 0,40 mais caro que a média nacional.
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Diante desse cenário, a previsão expressa de que a indústria de refino de petróleo será contemplada pelos benefícios da Zona Franca de Manaus (ZFM) é salutar e demonstra que os legisladores estão atentos aos problemas regionais – é necessário e benéfico para a região amazônica que a indústria de refino de petróleo consiga se desenvolver plenamente e assegure à região maior estabilidade de oferta e de preços.
A importância estratégica do setor de refino na região é ainda mais evidente ao considerar o potencial de integração com a produção de petróleo na província petrolífera de Urucu, localizada no município de Coari, no Amazonas. Essa proximidade entre a produção e a capacidade de refino local reduz custos logísticos, aumenta a eficiência operacional e fortalece a resiliência energética da região. Garante ainda a segurança energética, minimizando a dependência de petróleo e combustíveis refinados importados de outras regiões, sobretudo em períodos críticos, como a seca, quando o transporte fluvial enfrenta restrições severas devido à baixa navegabilidade dos rios amazônicos.
As críticas ao incentivo ao refino de petróleo na ZFM partem de setores alheios ao desenvolvimento regional e ao bem-estar da população. O estímulo busca ampliar o suprimento a preços mais acessíveis para os amazonenses e atrair investimentos em novas capacidades de refino, reduzindo a dependência de combustíveis importados — cenário que hoje favorece apenas as distribuidoras contrárias à medida.
Atualmente, a região Norte conta com apenas uma refinaria – a Refinaria de Manaus (REAM), do Grupo Atem, que, ao assumir o desafio de operar a refinaria, não apenas atendeu a todas as exigências regulatórias e legais, como também tem realizado investimentos substanciais na modernização e ampliação da planta, em benefício da região Amazônica e em vista da tão desejada segurança energética.
Novos investimentos adicionais também estão previstos, inclusive em biorrefinarias. De fato, em dezembro, a REAM obteve aprovação para implementar a primeira planta de produção de combustível sustentável para aviação na região Norte. O projeto foi selecionado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) por meio da chamada pública para biorrefinarias.
Com um aporte estimado de R$ 700 milhões, a nova unidade industrial terá capacidade de produzir 34 milhões de litros por ano de SAF, nafta e diesel verde, utilizando matérias-primas regionais adquiridas prioritariamente de pequenos produtores e cooperativas, posicionando a REAM como referência em combustíveis sustentáveis, promovendo a transição energética para uma Amazônia mais verde e alinhada com os desafios globais de sustentabilidade.
Como visto, é essencial que a sociedade e os formuladores de políticas públicas analisem a situação de maneira profunda e filtrem as críticas à luz dos reais interesses envolvidos. O que está em jogo não é o questionamento de uma política pública, mas a tentativa de deslegitimar o papel de uma indústria de refino que, contra todas as adversidades, cumpre todos os requisitos que a qualificam como incentivada na ZFM e se posiciona como pilar estratégico para a economia da região.
Por sua vez, as críticas, desprovidas de fundamento jurídico ou econômico sólido, são, na realidade, um reflexo de interesses concorrenciais que buscam travar o avanço de um setor vital para o desenvolvimento regional. Se sucumbirmos a elas, estaremos diante de uma aberração: o curioso caso de uma indústria que não pode ser indústria na ZFM, levando a prejuízos a toda a sociedade.
Evaristo Pinheiro é presidente da Associação dos Refinadores Privados (Refina Brasil)*
Marcelo Romanelli é diretor da Refina Brasil*
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