Balanço parcial feito pelo Congresso em Foco em parceria com a plataforma 72horas mostra que candidatos autodeclarados indígenas receberam apenas 0,37% dos R$ 5 bilhões declarados pelas candidaturas à Justiça eleitoral até o momento. A menos de duas semanas do primeiro turno das eleições, foram destinados R$ 18,3 milhões para esse grupo racial: R$ 11,4 milhões para 741 homens indígenas e R$ 6,8 milhões para 507 mulheres.
O valor parcial levantado se refere à soma das três modalidades de financiamento reunidas pela plataforma, a partir do banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido também como fundo eleitoral ou fundão; o fundo partidário, composto de valores repassados aos partidos; e “outros”, rubrica que compreende doação direta, financiamento coletivo e autofinanciamento.
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Neste ano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou 456.310 mil candidaturas. Ao todo, 2.479 candidatos se declararam indígenas. Desses, 1.248 afirmaram ter recebido verbas para campanhas. A maior parte dessas candidaturas está concentrada nas regiões Norte e Nordeste. Segundo cruzamento feito na plataforma 72 horas, o repasse para candidatos brancos passa dos R$ 3 bilhões. Os dados foram compilados nessa terça-feira (24) às 14h e estão sujeitos a atualizações. Os partidos políticos costumam priorizar a distribuição de recursos sob seu controle entre candidaturas que consideram com mais chances de vencer, postura que favorece postulantes à reeleição, figuras públicas locais, dirigentes partidários e seus familiares.
Prefeituras
A população de indígenas no Brasil corresponde a quase 1,7 milhão de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nas eleições de 2024, o número de candidaturas indígenas cresceu 14,13% em relação à disputa de 2020. Neste ano, 46 indígenas concorrem ao cargo de prefeito, dos quais 40 são homens e seis mulheres. Outros 63 disputam o posto de vice-prefeito, 37 homens e 26 mulheres.
Para Almir Suruí (PDT), liderança indígena do povo Paiter Suruí, candidato à prefeitura de Cacoal (RO), o baixo financiamento impacta diretamente na estrutura das campanhas, impedindo os indígenas de alcançarem voos mais altos.
Publicidade“Fazer campanha com pouco dinheiro é muito difícil porque a gente precisa de uma estrutura, principalmente para quando a gente concorre a um cargo executivo. Precisa de uma grande estrutura para fazer campanha, levar proposta da nossa campanha para a sociedade de forma simples, de forma diferente, também usar as tecnologias. Eu vejo que a gente precisa avançar nessas questões”, diz Almir que também concorreu ao cargo de deputado federal em 2022.
Cacoal conta com 69.088 eleitores aptos a votar. O município é o quinto maior colégio eleitoral de Rondônia, com 5,45% do eleitorado estadual.
Formado em Biologia Aplicada, Almir começou a trajetória política por meio de pesquisas de cultura e socioeconomia no seu território. Ele foi integrante do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Em 2009 ganhou o Prêmio Maia Lin na COP15 em Copenhague. Pai da ativista climática Txai Suruí, Almir também é coordenador executivo do Parlamento Indígena do Brasil, o ParlaÍndio.
Comparado ao candidato do mesmo partido que concorre à prefeitura de Porto Velho, capital de Rondônia, Almir recebeu R$ 400 mil até agora, enquanto Célio Lopes (PDT) teve repasses de R$ 3,2 milhões até o momento. Isso representa oito vezes mais do que o valor recebido pelo candidato indígena. Porto Velho, capital de Rondônia, possui 362.248 eleitores, 28,6% do eleitorado rondoniense.
Almir Suruí destaca que a falta de recursos dificulta o acesso de indígenas a cargos políticos. “A gente não tem recurso para trazer impacto da campanha para a sociedade, aí muitas vezes temos muita dificuldade de eleger indígenas para qualquer cargo, seja prefeito, vereador, deputado ou outros. Por isso, faltam indígenas presentes na tomada de decisão dentro da política”, afirma a liderança.
Câmara municipal
Mais de 2 mil indígenas disputam vagas de vereador em diferentes regiões do Brasil. Luciano Balatiponé (PP), que concorre a uma cadeira na câmara municipal de Barra do Bugres (MT), aponta o baixo financiamento como um obstáculo para eleição.
“Eu acho que a gente tem que melhorar muito nesse sentido de financiamento. Principalmente por conta da vulnerabilidade estrutural que a população indígena sofre”.
O professor e mestre em Linguística concorre pela primeira vez a um cargo político. Ele afirma que tem recebido apoio financeiro de familiares e amigos da sua comunidade indígena. Luciano também salienta que a maioria dos indígenas que entram para a política são cidadãos comuns “sem estrutura financeira estável e digna”.
Segundo o candidato, os povos originários precisam ter representantes em todas as instâncias da sociedade. Inclusive no parlamento, tanto no municipal quanto no estadual e no federal. A escolha do candidato que vai representar um povo é feita pela comunidade, conforme explica Luciano Balatiponé, indicado por sua aldeia Bakalana.
“Enquanto território, e povo, nos organizamos internamente. Fizemos uma prévia interna para eleger um nome que representasse o território no pleito para vereador. Com objetivo de garantir uma cadeira com representação indígena no parlamento de Barra do Bugres”.
Em Manaus (AM), cidade com a maior população indígena do país, segundo o IBGE, apenas 11 deles concorrem a uma cadeira na câmara municipal. Uma das candidaturas é da ativista climática Vanda Witoto, pela Rede Sustentabilidade. Ela, que também atua como educadora política e pedagoga, comenta a diferença de repasses para candidatos brancos e indígenas.
“Hoje, esse é o nosso principal desafio, porque as verbas eleitorais são destinadas para as prioridades, as candidaturas prioritárias, que na sua maioria são homens brancos e ricos que estão aí há mais de dez, 50 anos, ocupando esses espaços que têm mandato de três, quatro, cinco eleições”, afirma a candidata.
Vanda ainda ressalta que o fator financeiro, aliado à crise ambiental, pode determinar os rumos das campanhas de indígenas que estão em seus territórios.
“Pelas questões logísticas e por esse momento que nós estamos vivenciando, de extrema seca na nossa região, onde os meios de transporte são os rios, imagina fazer uma caminhada política nos municípios. Nós não temos condições de fazer campanha. Se não tiver recurso, é inviável ter pessoas trabalhando”.
Distribuição igualitária
Neste ano o TSE determinou que os partidos devem distribuir os recursos, financeiros dos fundos partidário e eleitoral aos candidatos indígenas de forma proporcional ao número de candidaturas formalizadas. Entretanto, a decisão não é válida para as eleições de 2024, pois ainda está em processo de regulamentação.
A determinação, que também estabelece a proporcionalidade do tempo de rádio e televisão, é resultado de uma consulta de autoria da deputada federal Célia Xakriabá (Psol- MG).
Célia defende que a distribuição igualitária de recursos é uma forma de reparação histórica, uma vez que o sistema político busca afastar indígenas de espaços de tomada de decisões.
“Ainda que tenhamos conquistado espaço no processo democrático, as condições nunca foram equânimes, sobretudo nos recursos financeiros e no tempo de propaganda em rádio e TV. Existem muitos indígenas prontos para se eleger, para ocupar prefeituras, câmaras legislativas, mas faltam condições para que essas candidaturas sigam adiante”, salienta a deputada.
Na prática, o TSE estende aos indígenas os incentivos para as candidaturas femininas e negras. No entanto, o órgão se limitará a estabelecer a obrigatoriedade da cota para indígenas, a distribuição ficará a cargo de cada partido.
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