Malu Ribeiro *
A participação efetiva da sociedade na formulação de leis no Congresso Nacional é base da democracia e, neste momento em especial, é fundamental para conter a agenda de retrocessos deflagrada contra o meio ambiente no Brasil. Mas, em decorrência da pandemia de covid-19, desde março de 2020 as sessões presenciais foram suspensas no Congresso Nacional. As discussões e votações passaram a ocorrer de forma remota e os debates, por videoconferência. Enquanto no Senado Federal as atividades presenciais foram retomadas, com medidas de segurança sanitária, na Câmara dos Deputados as sessões continuam remotas ou semipresenciais.
O modelo remoto ou virtual mantido na Câmara dos Deputados visa, segundo justificativa do Ato da Mesa de 25 de fevereiro deste ano, diminuir a circulação de pessoas nas dependências da Casa Legislativa “para preservar a saúde dos parlamentares, dos servidores e dos colaboradores, considerando os efeitos do recrudescimento da pandemia”. Esse modelo, porém, tem dificultado a participação cidadã, o acesso às comissões permanentes e a articulação da sociedade em torno de projetos de lei e de temas de grande impacto para o país.
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O distanciamento da sociedade do Congresso Nacional tem reflexo direto no avanço de “pautas-bomba” e no chamado Pacote de Destruição aprovado na Câmara dos Deputados. Em reação a esse distanciamento e aos ataques às políticas públicas e aos direitos socioambientais, o Ato pela Terra, convocado por Caetano Veloso, mobilizou milhares de pessoas e artistas em frente ao Congresso Nacional para sensibilizar o Senado a não votar projetos de lei que colocam o Brasil na contramão do mundo em relação à agenda climática e socioambiental.
A volta da sociedade às ruas e ao Parlamento é fundamental para que o país venha a ter um Congresso Nacional comprometido com a democracia, com o meio ambiente, com a transparência e com um novo modelo de economia – que seja capaz de nos conduzir a uma agenda de desenvolvimento, ética e socioambiental.
As votações remotas e o acesso restrito à participação da sociedade, infelizmente, favorecem a “passagem da boiada” – a votação de pautas que promovem retrocessos e de desmonte da legislação ambiental brasileira. O esforço das organizações da sociedade civil, da comunidade científica e da Frente Parlamentar Ambientalista – que reúne deputados e deputadas federais, senadores e senadoras e organizações civis – continua concentrado na contenção de danos.
PublicidadeAgora, neste ano de eleição, queremos dar luz às pautas estratégicas e positivas para a agenda ambiental que a sociedade deseja, como a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 06/2021, que inclui o acesso à água potável dentre os direitos fundamentais dos brasileiros e brasileiras; à PEC nº 37/2021, que insere a segurança climática na Constituição Federal, afirmando que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à segurança climática”.
Outro tema estratégico, o Projeto de Lei nº 6969/2013, institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar) e está pronto para votação em Plenário. Assim como os projetos de lei do desmatamento ilegal zero (PL 3337/2019), da Grilagem Zero (PL 6286/2019), da redução e do registro de agrotóxicos (PL 6299/2002), da criação, gestão e manejo de Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN (PL 784/2019).
As “pautas-bomba” que tramitam no Senado – como o licenciamento ambiental e a grilagem – devem ser deixadas de lado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e pelos líderes dos partidos. Além disso, é preciso que, na Câmara dos Deputados, o presidente Arthur Lira (PP-AL) também ouça o clamor da sociedade e segure a agenda de destruição. Os projetos de lei que atacam o meio ambiente, comunidades tradicionais e indígenas, unidades de conservação, recursos hídricos e as florestas, neste ano eleitoral, são de alto risco e mantêm o Brasil na contramão do mundo.
Ameaçam a democracia, a saúde pública, a economia e os patrimônios nacionais. Essa agenda destrutiva precisa ser deixada de lado pelo Congresso Nacional, que deve focar em soluções para conter o desmatamento, a crise política, econômica, institucional e sanitária no país.
Como sociedade, a SOS Mata Atlântica e as organizações não governamentais que participam da Frente Parlamentar Ambientalista estão empenhadas na reconstrução das políticas públicas que foram impactadas por uma estratégia anti-ambiental e negacionista do atual governo brasileiro e em alerta permanente no Congresso Nacional. Em redes de organizações sociais, observatórios e movimentos vamos resistir aos ataques aos nossos direitos e à legislação ambiental. Os princípios fundamentais da Constituição Cidadã de 1988 são fruto da participação, de debates públicos, de contribuições da comunidade científica e de diversos setores da nossa sociedade e, por isso, representam conquistas do povo brasileiro.
O Congresso Nacional não pode se manter distante da sociedade, emparedado e refém de interesses pontuais, contraditórios e distantes da coletividade. Retomar a participação cidadã na formulação de leis e políticas públicas é essencial, sobretudo neste ano eleitoral!
* Malu Ribeiro é diretora-executiva da SOS Mata Atlântica.
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