A democracia política emerge como expressão das mudanças necessárias para dar vazão ao desenvolvimento do
sistema capitalista. A monarquia absoluta – funcional para a centralização de recursos e esforços na expansão do capitalismo comercial em escala global, por meio das grandes navegações – tornou-se um obstáculo ao desenvolvimento capitalista, quando a dinâmica da acumulação de capitais migrou da circulação para a produção. Era preciso um sistema político permeável à ação descentralizada de inúmeros empreendedores privados. A democracia moderna, filha das revoluções Industrial, Francesa e Americana, nasce como expressão política de uma sociedade que se organizava tendo como pilar a liberdade individual e econômica.
A democracia nasce moldada pela ideia de representação. Seria impossível reproduzir as práticas da democracia direta da antiguidade grega. Tratava-se de governar grandes nações e não cidades-estados, com escalas populacionais muito maiores. Vale lembrar que, mesmo na Atenas de Péricles, mulheres, estrangeiros e escravos não votavam.
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Para dar funcionalidade à democracia moderna nasceram instituições e a divisão de Poderes. De um lado, o Parlamento, representativo do conjunto plural da sociedade, e os partidos políticos, ferramentas organizadoras de pessoas com alguma identidade de ideias com vistas à disputa do poder. De outro, a dinâmica republicana de freios e contrapesos, com a divisão de papéis entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Para se governar é preciso conquistar maioria parlamentar e legitimação social. Governo sem maioria não consegue implantar seu programa. Nos parlamentarismos europeu, canadense ou japonês, ao perder a maioria o governo cai, e aí uma nova maioria se forma, ou convoca-se novas eleições. No presidencialismo americano, o sistema bipartidário assegura alguma estabilidade.
Digo isso para chamar atenção para um aspecto central: boa parte da indefinição de rumos do Brasil nas últimas
duas décadas se deve ao fato de o governo não dispor de maioria parlamentar sólida, que apoie e aprove as medidas necessárias para a implantação do programa eleito dentro do presidencialismo brasileiro. O Parlamento tem protagonismo crescente, mas sem as responsabilidades institucionais proporcionais com a governabilidade. Deveríamos migrar para o parlamentarismo e para algum tipo de distritalização do voto. Há, no entanto, enormes
resistências a qualquer mudança.
Se o Brasil vem inovando, com governos sem maioria parlamentar consistente, a democracia contemporânea também vem sendo desafiada pela fragmentação social e a pulverização partidária. Não somos mais solitários.
Macron perdeu a maioria na França. Milei governa sem maioria na Argentina. Pedro Sanchez, na Espanha, formou
maioria por um triz, ancorado nas minorias nacionalistas catalã e basca. Luís Montenegro, em Portugal, também não possui maioria e tem que pendular entre a esquerda e a extrema-direita. A Coligação Semáforo, na Alemanha, é pressionada pelos péssimos resultados eleitorais. Trump sequestrou o Partido Republicano das suas melhores tradições e ameaça a democracia americana.
O desafio presente no Brasil é: como aprovar as transformações estruturais necessárias para retomar um desenvolvimento vigoroso e sustentável, sem que haja um bloco político majoritário fiador dessas mudanças?
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