Giovanna Valentim*
Em agosto de 2021, o Mapbiomas divulgou um estudo sobre o avanço da mineração e do garimpo no Brasil entre 1985 e 2020. Alguns dados chamam a atenção: a área ocupada pelo garimpo saltou de 31 para 206 mil hectares, representando 52% de todas as áreas mineradas no país. 93,7% dessa atividade concentra-se na Amazônia Legal. Essas informações ganham ainda maior relevância quando inseridas no atual cenário político, marcado pelo desmantelamento de instituições de proteção ambiental e pelo incentivo oficial por parte do Governo Federal ao garimpo em unidades de conservação e em terras indígenas – onde, de 2010 a 2020, a atividade cresceu 301% e 495%, respectivamente.
A expansão do garimpo não foi apenas territorial. Com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, o segmento, que já vinha se organizando, cresceu também em poder político. O presidente tem uma íntima relação com o garimpo, que se traduziu em diversas medidas durante seu governo para expandir a legalidade da atividade, consolidando-a como uma base aliada, cujos candidatos vêm despontando na eleição de 2022.
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Esta breve análise oferece um panorama da organização do garimpo para a próxima eleição, em níveis federal e estadual. O foco são as candidaturas da Amazônia Legal, vez que o já mencionado estudo do Mapbiomas identificou que 6 dos 10 estados mais garimpados do Brasil se encontram na região, assim como os dez municípios que encabeçam a lista.
Na disputa à Presidência da República, é a candidatura de Jair Bolsonaro (PL) que incorpora os anseios dos garimpeiros. Contando com seu apoio desde as eleições passadas, Bolsonaro fidelizou o setor com iniciativas como o Projeto de Lei 191/2020, que visa autorizar a exploração econômica de recursos naturais em terras indígenas, e com as constantes manifestações contrárias à destruição do maquinário do garimpo ilegal apreendido por agentes do Ibama e do ICMBio. Curiosamente, a única menção à atividade em seu plano de governo é o combate ao narcogarimpo na Amazônia. No entanto, há menção à legalização da mineração em terras indígenas.
Apesar de não discutir diretamente a questão do garimpo em seu plano de governo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirma estar comprometido com o combate à mineração ilegal na região amazônica – o candidato condenou, em redes sociais e em eventos públicos, o garimpo ilegal, principalmente em terras indígenas. A desintrusão de garimpeiros desses territórios e de unidades de conservação tornou-se uma de suas promessas de campanha.
PublicidadeNos executivos estaduais, grande parte dos estados da Amazônia Legal conta com candidatos ligados ao garimpo. Como Antonio Denarium (PP), que concorre à reeleição em Roraima depois de um mandato no qual autorizou o garimpo ilegal e proibiu a destruição de equipamentos apreendidos. Outros exemplos são Helder Barbalho (MDB), candidato à reeleição que criou o “Dia do Garimpeiro” no Pará, e Wilson Lima, atual governador do Amazonas, que pleiteia a recondução ao cargo apesar de não ter atuado para combater crimes ambientais nem no episódio das balsas garimpeiras no Rio Madeira, quando disse que negociaria com o Congresso Nacional a exploração mineral dos rios de seu estado.
Em Rondônia, o Comendador Valclei Queiroz (AGIR), empresário do ramo da mineração, carrega a irrestrita legalização do garimpo como uma de suas principais bandeiras políticas. Já Mara Rocha (MDB), atual deputada federal pelo Acre e candidata ao governo do estado, votou favoravelmente ao regime de urgência para votação do PL 191/20.
Outros exemplos de candidaturas ligadas ao garimpo são a de Flexa Ribeiro (PP) ao Senado no Pará – personalidade central no lobby para a legalização do garimpo em terras indígenas e unidades de conservação – e a de Rodrigo Martins de Mello, ou Rodrigo Cataratas, a deputado federal por Roraima. Cataratas, líder do movimento “Garimpo é legal”, que organiza candidaturas do setor, é investigado pela Polícia Federal por esquemas de exploração ilegal na Terra Indígena Yanomami e é também o único a possuir a Permissão de Lavra Garimpeira no estado – título que permite o exercício legal da atividade e foi expedido no governo Bolsonaro, de quem é aliado.
As candidaturas do garimpo também contam com algumas representantes femininas. Duas delas são Letícia Garimpeira (PSC) e Branca Oliveira (Podemos) – ambas candidatas à Assembleia Legislativa do Pará.
O trabalho para a legalização irrestrita da atividade garimpeira e o empoderamento decorrente do desmonte do aparato ambiental são os pontos em comum das candidaturas citadas. Depois de quatro anos de uma gestão federal empenhada em facilitar e assegurar a prática do garimpo, a eleição de 2022 aparece como uma grande oportunidade de líderes de associações e empresários do ramo alçarem-se à institucionalidade política nacional com apoio de Jair Bolsonaro.
A provável eleição de parte desses candidatos dará continuidade a um processo de rebranding do garimpo, que teve início na esfera federal com o resultado do pleito de 2018. Neste período, além do PL 191/2020, o governo federal tentou alterar o Código de Mineração e editou uma série de decretos cujo objetivo final é transformar o garimpo em “mineração artesanal”, vendendo a narrativa de que a atividade é desenvolvida em baixa escala e não causa nenhum dano ambiental, servindo exclusivamente para o sustento de famílias ribeirinhas – o que não corresponde, de forma alguma, à realidade.
Operado por maquinários pesados e caros – uma draga pode custar até um milhão de reais -, o garimpo passou de questão ambiental para problema de saúde e segurança pública. O último relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicado pelo Conselho Missionário Indigenista, ilustra a situação indicando o garimpo como parte fundamental de uma cadeia de crimes que vão de danos ao patrimônio até assassinato de indígenas, passando pela associação com organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC). A isso, soma-se a crescente contaminação por mercúrio que, transmitida verticalmente de mãe para filho, tem feito com que mulheres Munduruku não queiram mais engravidar.
Dada a capilaridade da organização política garimpeira, a eleição para o Executivo nacional não será suficiente para determinar o futuro do movimento e da pressão pela expansão da fronteira extrativista sobre territórios antes protegidos. A apresentação de alternativas econômicas viáveis para os trabalhadores do garimpo, a reformulação dos mecanismos de registro do ouro garimpado e a reconstrução dos órgãos de controle ambiental são algumas das necessidades que se impõem para a construção de uma solução sustentável para o problema. O desafio dos próximos mandatários será o de pautar essas iniciativas ao lado daqueles que batalharam pela expansão irrefreada do garimpo.
*Giovanna Valentim é mestranda em Ciência Política e bacharela em Direito pela Universidade de São Paulo, com duplo diploma pela Université Lyon III. Faz parte do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM) e do Grupo de Pesquisa e Estudos de Inclusão na Academia (GPEIA/USP).
Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.
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