Localizada no município de Belterra, no interior do Pará, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Professora Vitalina Motta disputa o espaço com uma plantação de soja que se aproxima mais a cada ano. No dia 27 de janeiro, a situação ficou insustentável e os alunos foram mandados para casa após uma máquina agrícola pulverizar agrotóxicos no entorno da escola durante o horário das aulas. A gravação foi compartilhada nas redes sociais e mostra os produtos químicos sendo borrifados a poucos metros da instituição de ensino.
“Eles sempre fazem a borrifação no horário das aulas. Não sei se trocaram o veneno, mas foi uma coisa muito absurda, todo mundo ficou agoniado, os professores, as crianças. Os olhos ardendo, dor de cabeça, enjoos. Ficamos todos muito incomodados com o cheiro do agrotóxico”, relata uma professora que prefere não se identificar com medo de represálias.
O exemplo da escola em Belterra é um dos que foram constatados por uma delegação formada por parlamentares e organizações da sociedade civil da América do Sul e da Europa, que visitou a região como base para discussões em torno da assinatura do Acordo de Associação Mercosul-União Europeia. Pela mesma razão – o uso sem controle de agrotóxicos nas plantações -, uma outra escola vizinha foi abandonada.
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O Congresso em Foco acompanhou com exclusividade uma visita a diversas comunidades na Amazônia da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul-UE/EFTA e organizações sociais da Europa, entre elas a Misereor, ligada à Igreja Católica da Alemanha, e a Ecologistas en Acción, da Espanha. O acordo de livre-comércio está em discussão, e uma das questões fundamentais em torno da sua assinatura é a situação ambiental, se normas de preservação e de sustentabilidade têm sido respeitadas na agropecuária da região. Foi isso que a delegação foi ver de perto nessa região do Pará. E o caso da escola é um dos que chamaram a atenção.
Após essa visita às comunidades do Pará, as organizações, parlamentares do ParlaSul, da Europa e Brasil estão reunidos em Brasília para um seminário internacional: “A Retomada da Democracia no Brasil – o papel da política externa e o comércio internacional”. O evento se encerrará nesta terça-feira (7) com uma coletiva de imprensa que acontecerá na Câmara de Deputados, às 14h, no Plenário 12 das comissões, anexo 2 do Congresso Nacional.
Aula suspensa
A aplicação dos produtos ocorreu naquele dia por volta das 14h30. Cerca de 15 minutos depois, as aulas foram suspensas e os alunos liberados. “Não tinha mais como ter aula nesse espaço naquele momento”, sintetiza a professora.
Segundo a funcionária da escola, a soja já estava na região da escola quando assumiu o cargo, há cerca de oito anos, e vem ficando cada vez mais próxima da escola. “Desde 2015 a gente vem falando sobre essa questão. Primeiramente reclamando entre a gente e depois reclamando com o poder público, mas nunca sendo ouvidos”, explica.
A decisão de suspender as aulas e liberar os alunos para que voltassem para casa gerou críticas. Em discurso no dia 31 de janeiro, o vereador Sérgio Cardoso de Campos (União Brasil) criticou as professoras, alegando que elas deveriam ter levado as crianças a um posto de saúde, localizado ao lado da escola. A crítica foi feita até mesmo na Câmara de Vereadores da cidade, em um discurso realizado no dia 31 de janeiro. O vereador acusou os professores da escola de negligência.
“Eu acho uma acusação muito forte, muito pesada”, afirmou o vereador sobre o vídeo denunciando a aplicação dos agrotóxicos. “Ela cometeu um crime gravíssimo, essa professora, infelizmente. Porque se a criança dela foi afetada por agrotóxico e ela não tomou as medidas cabíveis de levar no posto de saúde, que é do lado, ou de trazer para o hospital, então quem cometeu o crime foi ela”, afirmou Sérgio. O vereador também levanta a hipótese de a profissional ter mentido e que nenhum aluno realmente se sentiu mal.
Veja abaixo o vídeo do vereador acusando a professora:
A professora explica que nenhum dos alunos foi encaminhado para o posto pois todos estavam agoniados, querendo sair do espaço, e que a ida ao estabelecimento de saúde não resolveria a situação. “O posto é do lado, o posto também estava contaminado. Elas [enfermeiras] também passam por esse problema”, explica. “É absurdo que a soja avance na intenção de excluir a escola, de expulsar a escola, como ela já fez em outras comunidades de Santarém”, ressalta.
Ouça o relato da professora:
Nesta segunda-feira (6), os alunos da escola apresentaram novamente sintomas após a aplicação de agrotóxicos durante a madrugada. Ao menos quatro estudantes foram levados ao posto de saúde apresentando dores de cabeça, na garganta e na barriga, coceira, tontura e vômito. “Na eminência de resguardar a saúde de funcionários e alunos, a gestão foi obrigada a suspender as aulas do horário vespertino da escola, e a aguarda investigação médica dos fatos ocorridos”, destaca o comunicado emitido pela escola.
Ministério Público pede apuração
Após a denúncia da aplicação dos agrotóxicos no horário das aulas, o Ministério Público do Estado do Pará expediu no dia 1º de fevereiro uma recomendação à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), à Secretaria Municipal de Gestão do Meio Ambiente e Turismo (Semat) e à Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) para apurar a ocorrência.
A recomendação expedida pela 13ª Promotora de Justiça de Santarém, Lilian Braga, solicita a fiscalização urgente do plantio de soja localizado no entorno da escola; a verificação se a aplicação de agrotóxicos respeita o distanciamento mínimo exigido pela legislação ambiental para áreas próximas a escolas; e a adoção das medidas cabíveis para coibir a prática e continuidade de eventuais ilícitas ambientais.
A promotora também requisitou que sejam encaminhadas ao Ministério Público as cópias dos Processos de Licenciamento Ambiental das plantações localizadas ao redor da escola.
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