Eu sei como é. Você até conhece as atrocidades cometidas pelo Bolsonaro. Os ataques às mulheres, inclusive às que ele não estupra porque não “merecem”; a confissão de que sonega tudo o que pode; a obsessão pela tortura e pelas armas de fogo; o desejo de dar um golpe e virar ditador como os generais da ditadura que ele não apenas admira, como idolatra; a vontade de fechar o STF onde só vê ministros querendo derrubá-lo; o pouco caso com a pandemia e as vacinas, que já levaram a vida de mais de meio milhão de brasileiros e ele nunca visitou um hospital sequer, o que lhe valeu o apelido de genocida; além da corrupção dele e da família dele, com as rachadinhas nos gabinetes, a compra de imóveis com dinheiro vivo e as mansões milionárias adquiridas por filhos que até outro dia não tinham recursos nem para um quarto-e-sala; E muito, muito mais coisas. Ainda assim, você é dos que não admitem votar no “ladrão do Lula” de jeito nenhum.
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Eu entendo.
Ou você é homem, desses machões que não levam desaforo pra casa, gostariam era de andar com um trezoitão na cintura arrotando valentia e se igualando ao Bolsonaro nos palavrões e na falta de educação. Ou então você é mulher e seu marido é desse tipo mandão, que vai pro boteco beber com amigos também mandões, onde todo mundo é bolsonarista e por isso ninguém sequer cogita em avaliar se Bolsonaro está certo ou errado. Até porque se alguém levantar a voz pra por em dúvida, a turma cai de pau no “traidor”.
E tudo que se disser contra ele é coisa desses lulistas cretinos que apoiam o ex-presidiário. Ou dessa imprensa comunista que quer transformar o Brasil numa Venezuela ou numa Nicarágua. Porque repetiram tanto que você acredita e não há quem lhe tire da cabeça que esses ateus de merda vão fechar as igrejas e ensinar os meninos a serem viados usando mamadeira de piroca. E ninguém, muito menos você, admite uma barbaridade dessas, não é mesmo?
Eu compreendo.
E sei o quanto é difícil sair da bolha e raciocinar com liberdade. Até porque você não faz isso há tanto tempo que já nem sabe como é, não é mesmo? Porque ser livre e pensar pela própria cabeça dá trabalho. Muito mais fácil é deixar que o marido, o pastor, a turma do boteco ou do escritório pensem pela gente, fazer o que eles dizem pra gente fazer e tá tudo bem.
PublicidadeEu sei, eu sei.
Sei sobretudo que é praticamente impossível você sequer admitir que pode estar errado ou errada. Porque a certeza de que está certo ou certa é tão grande que você considera desnecessário perder tempo raciocinando se, por um acaso mesmo remoto, não poderia estar agindo ou pensando de forma equivocada. Você frequenta os mesmos sites, conversa com as mesmas pessoas e nunca mais soube o que é ouvir uma opinião contrária ao que você pensa.
Eu conheço isso.
Sei que é cômodo deixar como está, e tamos conversados. Até porque você não quer nem admitir a possibilidade de ir contra a onda e agir por conta própria. Porque, com que cara iria ficar diante dos outros, que estão seguindo unidos numa só direção, que você aprendeu que é a certa e que não vale a pena ficar discutindo se poderia estar errada, não é?
Eu admito que é difícil, muito difícil.
Porque todos nós estamos vivendo dentro do que os especialistas chamam de “bolha informacional”, da qual você talvez nunca tenha ouvido falar. Pois deixe eu lhe explicar de uma forma bem simples. Existe um troço chamado algoritmo que mora dentro da internet. Pois esse troço é que praticamente faz com que você pense apenas sobre determinados assuntos, e não sobre outros. Você já deve ter percebido uma coisa estranha.
Um dia foi pesquisar sobre um sofá que gostaria de comprar, viu as ofertas, desligou o computador, foi trocar mensagens de Whatsapp e de repente, sem ver nem pra quê, começaram a aparecer na tela ofertas de sofás de tudo quanto é tipo! Diabéísso?, você deve ter pensado. Esse troço tá lendo meus pensamentos? Nada disso. É que o algoritmo passa o tempo todo combinando as buscas que você faz. E combina tudo isso com seus dados pessoais – onde você mora, onde estuda ou trabalha, quantos anos tem, se gosta de ver filmes de ação e tudo o mais. Porque você acha que, desligando o computador ou saindo do site de buscas no celular você encerrou tudo. Pois não encerrou coisa alguma.
O algoritmo continua combinando tudo sobre seus interesses, suas preferências políticas, sexuais, profissionais, culinárias etc. Porque Google, Facebook, Linkedin e tal continuam armazenando e entrelaçando suas preferências o tempo todo. E aí, toda vez que você liga o computador ou o celular ele lhe oferece acesso exatamente ao que é do seu interesse. Se você é bolsonarista, só vai ver coisas favoráveis… ao Bolsonaro. E nunca – NUNCA – vai conhecer um pouquinho que seja do outro lado. Esquisito, né? Esquisito e… apavorante! Porque isso significa que sua liberdade acabou! E que você mora dentro de uma “bolha informacional”. Tudo o que recebe faz sentido pra você e o algoritmo não deixa você ver o que contraria suas opiniões. Caramba! Pois seja bem-vindo ou bem-vinda ao mundo de hoje. E agora preste atenção:
Se você quer ir por onde quiser e não ser um carrinho de controle remoto que só anda por onde mandam ir, saiba que é possível, sim, furar essa bolha e ser você, e não um piolho que anda pela cabeça dos outros.
E sabe como? Confundindo o algoritmo. Um exemplo: se você é bolsonarista, modifique seu estilo de busca e procure algo contrário ao que está acostumado a buscar. Limpe o histórico de navegação, aqueles sites que você acessou e que deixaram “rastros” no computador ou no celular. Um truque bacana e bem simples é você criar uma identidade anônima pra pesquisar (Ctrl + Shift + n) no Windows ou no Chrome. O algoritmo acha que aquele perfil é o seu e nem imagina que aquele “você” não é seu verdadeiro você. E por último: bloqueie os anúncios que você já percebeu que são baseados no seu histórico. Os facebooks da vida vão pirar, achando que estão lidando com você, quando na verdade estarão lidando com um perfil falso que você inventou pra confundi-lo.
Eu sei que é chato e cansativo, eu sei.
Mas o preço da liberdade é a eterna vigilância, como já ensinava Thomas Jefferson ou o irlandês John Philpot Curran, um deles aí, não sei ao certo. Mas o certo é que o certo nos dias de hoje é apenas o que o algoritmo quer que você acredite que é o certo. Pois dê uma rasteira nele, pense pela própria cabeça e em vez de ser um rato correndo atrás de um pedaço de queijo amarrado num barbante, seja você mesmo. Sem dar satisfação de sua vida e do que você pensa a… ninguém! Aí talvez comece finalmente a desconfiar de que Bolsonaro não é flor que se cheire. Uff! Eu sei que é cansativo. Mas seja bem-vindo ou bem-vinda ao mundo livre! Respire fundo. Aqui você pode.
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