Além de denunciar o total despreparo do Rio Grande do Sul, após um ano sem investir na contenção de desastres e afrouxar quase 500 normas ambientais (e do Brasil) para lidar com uma emergência climática desse porte, as terríveis notícias do estupro de mulheres desabrigadas pela catástrofe em centros de acolhimento mostram, uma vez mais, porque as respostas às catástrofes exigem, como ação imediata, uma abordagem de gênero e, por sua vez, o estabelecimento de medidas protetivas emergenciais.
É fato que as populações em situação de vulnerabilidade social – que já sofrem múltiplas faces das violências – são as mais afetadas pelos desastres climáticos, mas o aumento da vulnerabilidade extrema das mulheres e meninas durante esses eventos vem sendo alertada há anos por organizações da sociedade civil e agências da ONU em fóruns multilaterais. Considerando que a crise climática a cada dia se agrava, mais do que nunca precisamos de olhares atentos e ações concretas para garantir, no mínimo, proteção das mulheres e crianças contra o abuso e à exploração sexual em situações como a que vive hoje o Sul do país.
Leia também
Não podemos normalizar a ocorrência dessas situações. Dados da ONU já mostram que as mulheres têm 14 vezes mais chances de morrer em catástrofes climáticas do que os homens e a violência sexual durante tais eventos agrava essa vulnerabilidade. O relatório da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) publicado em 2021, a partir de mais de 80 casos globais, mostra como as mudanças climáticas e a degradação ambiental generalizada aumentam a violência contra mulheres e meninas e, por isso, sua prevenção precisa estar na lista de prioridades das autoridades locais ao desenvolverem suas respostas.
Não faltam evidências, mas faltou, mais uma vez, ao poder público atenção com as mulheres que deveria proteger. Na verdade, sabemos que ao RS faltou tudo e um pouco mais – ainda nos impressiona, apesar de não surpreender, o despreparo do Estado – mas não podemos aceitar desculpas para o estupro em abrigos, locais que, por definição, deveriam protegê-las. O estupro, afinal, precisa passar a ser tratado pela sociedade como um ato inaceitável.
Mas o que sabemos é que, em tempos de tragédia, a solidariedade se manifesta, mas também se abrem brechas para múltiplas violações. Relatos de organizações da sociedade civil no estado denunciam, além do descaso com a proteção dos direitos sexuais das mulheres que, vale lembrar, é o direito de fazer sexo apenas com quem queremos, episódios de transfobia, quebra de sigilo sobre a condição de viver com HIV e segregação forçada de pessoas afetadas pela tuberculose em locais específicos .
Em momentos assim, o Brasil inteiro, como um todo, precisaria gritar em protesto de forma uníssona. Além de apoiar a reconstrução estrutural e material do estado e a recomposição dos bens materiais perdidos pelas pessoas, deveria exigir o necessário cuidado das mulheres e meninas e das populações que já são historicamente vulnerabilizadas, demandando que a gestão local e federal aloque recursos para implementar um plano de contingência capaz de mitigar os impactos da crise e protegê-las da violência sexual cujo impacto nas suas vidas ainda não são possíveis de mensurar.
Publicidade
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário