O Ministério Público Federal (MPF) enviou ofício à Secretaria Executiva do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para que esclareça sobre as informações de supostos abusos sexuais cometidos na Ilha de Marajó (PA), conforme a ex-ministra Damares Alves relatou neste domingo (9) em um culto evangélico. Nunca houve denúncia formal feita por Damares das coisas que ela relatou durante o culto. O MPF pede que o ministério, então, apresente os supostos casos descobertos para que as providências possam ser tomada.
A presença de diversas crianças na plateia não parece ter constrangido a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos a expor detalhes de casos de violência e abuso sexual. Durante sua pregação na Assembleia de Deus, em Goiânia (GO), a futura senadora do Distrito Federal afirmou que tomou conhecimento de tráfico de crianças na Ilha de Marajó. A ilha foi cenário de diversas ações do ministério durante a sua gestão.
Damares detalhou abertamente os casos de abusos sexuais para os ouvintes, inclusive para as crianças que participavam do momento religioso.
Confira a fala:
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“Eu vou contar uma história para vocês, que agora eu posso falar. Nós temos imagens de crianças brasileiras de três, quatro anos que, quando cruzam as fronteiras, os seus dentinhos são arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral”, relatou. Ela disse ainda que as meninas e meninos comem comida pastosa “para o intestino ficar livre na hora do sexo anal”, afirmou a ex-ministra.
PublicidadeDamares não falou quais providências foram tomadas sobre os casos e nem se foram feitas denúncias para os órgãos competentes.
A ex-ministra afirmou que falava no culto como pastora, e não como política. Damares disse que tinha o “manto constitucional” para se expressar no local e defendeu abertamente o voto no presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Tem coisas que eu não posso falar lá fora, mas aqui eu tenho uma liberdade constitucional de manifestar a minha fé. A guerra contra Bolsonaro que a imprensa levantou, que o Supremo levantou, que Congresso levantou, não é uma guerra política, é uma guerra espiritual”, disse Damares.
A ex-ministra também fez elogios à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que participava da pregação. As duas são amigas próximas e participam da cruzada religiosa de Bolsonaro entre o eleitorado evangélico.
Mistura perigosa
Para o cientista político Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico, a utilização da igreja como um espaço para atos políticos tem crescido nestas eleições e traz novas dinâmicas para a interação entre religião e política.
“A gente via a mobilização nas igrejas há muito tempo, mas ela se dava de maneira localizada nas semanas anteriores ao pleito eleitoral. De certa forma, ela era separada do ritual religioso. Você tinha uma fala principal do pastor na semana anterior ao pleito eleitoral e o pastor dava a posição da igreja”, contextualiza Vinicius.
Para o especialista, as falas de Damares e da primeira-dama quebram a separação entre o momento eleitoral e a pregação religiosa, misturando falas religiosas e interpretações bíblicas com discursos políticos. “É um tipo de oratória que traz em si esse ‘fogo pentecostal’, esse avivamento do discurso que é o que caracteriza as igrejas pentecostais”, explica.
Segundo o cientista político, a mistura é perigosa e promove uma radicalização do eleitorado evangélico. “Tem diversos pastores que estão trazendo críticas, dizendo que as igrejas estão fazendo idolatria. E isso é um grande problema. Só que, ao mesmo tempo, isso tem criado fiéis e pastores que estão relacionando cada vez mais a sua fé com o seu lado político”, conclui Vinicius.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de Damares Alves. A matéria será atualizada caso a ex-ministra se manifeste.
Atualização 11/10/2022 às 08h49
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos divulgou uma nota sobre a fala de Damares. Segundo o Ministérios, as falas da ex-ministra foram apresentadas com base em “numerosos inquéritos já instaurados que dão conta de uma série de fatos gravíssimos praticados contra crianças e adolescentes”.
Sobre o caso específico da Ilha de Marajó, a Pasta afirma que foi criado o programa “Abrace o Marajó” como resposta à “vulnerabilidade social, econômica e ambiental, que caracteriza uma porção expressiva da Amazônia Brasileira”.
Confira a íntegra da nota:
“O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos esclarece que as afirmações feitas pela ex-ministra Damares Alves foram apresentadas com base em numerosos inquéritos já instaurados que dão conta de uma série de fatos gravíssimos praticados contra crianças e adolescentes.
Sobre o caso específico do Marajó, o programa Abrace o Marajó foi criado justamente como resposta à vulnerabilidade social, econômica e ambiental, que caracteriza uma porção expressiva da Amazônia Brasileira.
Desde 2020, cerca de R$ 950 milhões foram investidos em iniciativas para o desenvolvimento econômico e social do arquipélago. Marcado pela transversalidade das iniciativas, o programa conta com parceiros que vão desde os ministérios da Saúde e Cidadania até pastas como Educação, Minas e Energia, Comunicações, entre outros.
Esta pasta tem total ciência da gravidade do problema e age diuturnamente para combater essa e outras práticas criminosas. Como exemplo, no início deste mês o MMFDH lançou a campanha ‘Enfrentamento às violações de Direitos Humanos: prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes na internet’ para alertar pais e responsáveis sobre os sérios perigos a que os pequenos estão expostos diariamente na rede mundial de computadores. As peças estão sendo veiculadas em canais de TV, em salas de cinema e nas redes sociais do Ministério (saiba mais: https://bit.ly/3Vhjj8V).
Salientamos, ainda, que as denúncias registradas pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos são de caráter sigiloso e acessíveis a toda população. Em casos de suspeitas ou conhecimento de violações à integridade humana, a população pode realizar denúncias pelo disque 100 ou aplicativo Direitos Humanos Brasil. O serviço também está disponível por chat e pelo endereço eletrônico da central: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/.
As denúncias recebidas pela ONDH são encaminhadas aos órgãos competentes e, posteriormente, monitoradas para assegurar o bom andamento das demandas. Os dados coletados auxiliam, entre outras ações, nas operações integradas, a exemplo da Parador 27 – contra a exploração sexual de crianças e adolescentes.”
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