O cidadão vai à seção eleitoral. Na urna eletrônica, ele digita o número da sua preferência para deputado federal, estadual ou senador. Mas, em vez de uma única pessoa, com aquele único gesto ele elege várias. São as candidaturas coletivas, um processo que, no Brasil, se iniciou em 1994 e se espalhou nestas eleições, especialmente entre partidos de esquerda.
De acordo com as informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há 213 coletivos de candidatura inscritos para as eleições deste ano. Inclusive, três candidaturas inéditas para o Senado. “É um recorde nas eleições gerais federais”, observa o advogado especialista em Direito eleitoral, ex-ministro do TSE Joelson Dias.
Sessenta e quatro por centro das candidaturas coletivas apresentadas são para deputado estadual ou, no caso do Distrito Federal, deputado distrital. Outras 34% são para deputado federal. E 2%, em algo inédito, para o Senado.
Como funciona?
Essencialmente, a mudança que há está relacionada àquilo que a candidatura representa. As candidaturas coletivas trazem para a democracia representativa uma ideia mais próxima da democracia direta, um processo pelo qual são eleitas ideias e bandeiras defendidas de forma coletiva por segmentos da sociedade.
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Na prática, há duas situações distintas a serem observadas. Para a Justiça Eleitoral, não há candidatura coletiva de fato. Em cada uma dessas candidaturas, há um único cidadão realmente registrado. E é essa a pessoa que, para efeitos da Justiça Eleitoral, virá a ser eleito caso vença as eleições. Mas, também na prática, não é isso o que deverá acontecer caso a eleição seja bem sucedida no campo para além da Justiça Eleitoral.
“O que nós dizemos é que, na verdade, o nome registrado empresta o CPF para a candidatura”, explica Thiago Ávila, do Mandato Coletivo Bem Viver, que disputa uma vaga de deputado federal no Distrito Federal, pelo Psol. No caso, o CPF emprestado é o de Thiago Ávila.
O Coletivo Bem Viver reúne nove pessoas. O grupo criou ainda uma outra candidatura coletiva para deputado distrital. Se, no caso da Justiça Eleitoral, uma eventual eleição não será coletiva, na prática o grupo adotou medidas cíveis para garantir que, de fato, qualquer decisão após a eleição seja de fato coletiva.
O coletivo registrou em cartório um contrato que estabelece a coletividade do mandato. O salário ganho como parlamentar será dividido entre todas as pessoas do coletivo, de modo a que cada um receba o equivalente ao salário de um professor da rede pública. Se houver excedente, esse valor se reverte para as ações que o coletivo representa.
Decisões a respeito do mandato serão tomadas em assembleias periódicas. Para dar celeridade a algumas ações, em cada segmento que o coletivo representa serão criados conselhos que tomarão decisões de ordem mais práticas. Destinações de recursos, como emendas parlamentares ou gastos do gabinete serão decididas assim, de maneira coletiva.
“Genuinamente coletiva”
Thiago Ávila esteve à frente da primeira experiência em Brasília de candidatura coletiva, em 2018. A candidatura, para deputado distrital, até conseguiu mais votos que muitos que foram eleitos, mas acabou fora da Assembleia Legislativa do DF por causa do coeficiente eleitoral. Por contra da experiência, Ávila passou a ministrar cursos e orientar a formação agora de outras candidaturas coletivas.
No caso, o Coletivo Bem Viver visa representar um segmento que propõe uma nova forma de vida em sociedade, com maior respeito ao meio ambiente e melhor convívio entre as regiões urbanas e rurais. Assim, o grupo tem representantes de populações indígenas, de agricultores, ambientalistas, catadores de papel e outros resíduos recicláveis. “O primeiro ponto fundamental para que uma candidatura coletiva dê certo é que ela, de fato, tenha unidade estratégica”, explica Ávila.
De um modo geral, o modelo de representação coletiva tem atraído mais os partidos de esquerda, o Psol, partido de Ávila, responde por 33% das candidaturas coletivas inscritas para as eleições deste ano. O PT vem em segundo, com 16%.
“Exteriorização de uma estratégia”
Joelson Dias observa que, embora na prática a Justiça Eleitoral considere que apenas o “dono do CPF”, como diz Ávila, inscrito seja eleito, ela permite que a candidatura, na sua propaganda, se apresente como coletiva. No novo projeto de Código Eleitoral, a candidatura coletiva é definida como a “exteriorização de uma estratégia voltada a facilitar o acesso dos partidos políticos aos cargos proporcionais em disputa”.
“Ou seja, sua origem se deu como uma opção de pequenos partidos e movimentos apartidários para tentar ganhar uma cadeira no Legislativo”, explica o especialista.
Já Ávila observa que, desde a primeira experiência, a questão evoluiu. “Em Brasília, como temos eleição somente de quatro em quatro anos, a experiência evoluiu menos. Mas já há vários mandatos coletivos sendo exercidos em vários estados”.
Com a eleição desses mandatos coletivos, explica Ávila, algumas conquistas foram alcançadas no sentido de fazer com que oficialmente os legislativos de fato reconheçam o ato coletivo da representação. Duas tentativas de mudança no funcionamento de assembleias legislativas foram feitos, segundo Ávila. Em São Paulo, as mudanças fracassaram. Mas em Pernambuco, foram aceitas. Lá, representantes de candidaturas coletivas que não são o titular do mandato receberam autorização para presidir audiências públicas. Eles, porém, não podem participar das sessões plenárias, votar e assinar documentos, como projetos e relatórios.
“À medida em que mais mandatos coletivos forem sendo eleitos, confiamos que a coisa irá evoluir, para uma transformação que torne a atuação parlamentar menos individual e, de fato, mais ampla, mais coletiva”, considera Ávila. “Uma forma de tornar realmente mais direta e ampla a nossa democracia”.
“Seria preciso apenas alterar a lei eleitoral e partidária inserindo a possibilidade de candidaturas e mandatos coletivos para assegurar aos coletivos concorrer com sua identidade grupal, sem subterfúgios, o que permitiria a legalização dos mandatos compartilhados no interior do parlamento”, considera Joelson.
Há propostas para regulamentar os mandatos coletivos tramitando no Congresso. Como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 379/17, da deputada licenciada Renata Abreu (Podemos-SP). O texto permite a existência de mandato coletivo para vereador, deputados estadual, distrital e federal e senador.
Outra proposta sobre o tema, o Projeto de Lei 4724/20, de autoria do deputado André Figueiredo (PDT-CE), cria a figura dos coparlamentares, que compartilham, com o parlamentar, o poder decisório, dentro de um mandato coletivo.
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