Carlos Machado, Pedro Paulo de Assis, Danusa Marques e Viviane Gonçalves Freitas *
Na avaliação da qualidade da representação política, muitos aspectos destacam-se, como prestação de contas, estratégias, agenda política e bancadas temáticas. Uma maneira bastante direta de avaliar as discrepâncias entre representantes ocorre pela verificação agregada de suas características individuais. Por exemplo: a diferença geral entre a quantidade de mulheres negras na população e de mulheres negras eleitas para os parlamentos pode ser um forte indicativo sobre a qualidade da representação nestas casas parlamentares. Contudo, uma vez que há significativa variação entre os estados e o DF quanto à composição racial de suas populações, é importante considerar a distribuição territorial dessas desigualdades.
Nas análises a seguir, apresentamos mapas baseados em um índice de disparidade entre candidaturas e população. Nele, o valor 0,50 significa pleno equilíbrio; valores superiores a 0,5, sobrerrepresentação; e menores do que 0,5, sub-representação no comparativo populacional. Valores em amarelo indicam igualdade entre a proporção de candidaturas registradas e a distribuição deste grupo na população. Quanto mais avermelhado, mais sobrerrepresentado aquele grupo; quanto mais azulado, maior sua sub-representação. Nos mapas, trazemos apenas as informações sobre candidaturas de mulheres negras e homens brancos, a fim de facilitar a comparação entre um grupo mais prejudicado e o mais beneficiado nas eleições para a Câmara dos Deputados.
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A análise agregada para todo o Brasil mostra um pequeno avanço entre 2014 e 2022. Passamos de 0,31, em 2014, para 0,32, em 2018, chegando a 0,39 de disparidade para as candidaturas de mulheres negras em 2022. Quanto aos homens brancos, fomos de 0,67, em 2014, para 0,66, em 2018, chegando a 0,62, em 2022. Cabe lembrar que essas mudanças não ocorrem nas mesmas proporções em todo país.
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Não há mudanças intensas entre 2014 e 2018, mas, em 2022, as candidaturas de homens brancos ficam com um grau menor de sobrerrepresentação em relação à população em quase todo o país, com exceção de oito estados: Amazonas (mais intensamente), Pará, Mato Grosso, Amapá, Maranhão, Paraíba, Alagoas e Sergipe.
Para as candidaturas de mulheres negras, a sub-representação é a regra, em 2014 e 2018. Em 2022, há uma redução das desvantagens em todas as unidades da federação (UFs), com destaque para Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Roraima, únicos estados onde se observa equilíbrio entre a apresentação de candidaturas e o percentual de população de mulheres negras. A maior disparidade neste ano ocorre nos estados do centro-oeste e Alagoas.
Analisar as candidaturas é importante, embora se mostre insuficiente para captar as assimetrias de gênero e raça na representação política. Após a institucionalização de diversos mecanismos e a adoção de maneiras distintas de driblar os incentivos eleitorais, é óbvio que não basta aumentar o volume de candidaturas de pessoas negras e mulheres, mantendo-se o cenário de um patamar de competitividade baixo. Para ser bem-sucedida, uma candidatura precisa de investimento partidário, redes de apoio, recursos financeiros e visibilidade – o que, em sua maioria, é o modus operandi facilitado a homens brancos.
Assim, construímos um índice similar ao utilizado anteriormente para as candidaturas, mas agora observando a disparidade entre o percentual de pessoas eleitas e a composição racial da população dos estados e DF. Da mesma forma que nas análises anteriores, 0,50 é o resultado equilibrado, valores maiores indicam sobrerrepresentação e menores, sub-representação.
Quando observamos quem se elege considerando o Brasil como um todo, a sobrerrepresentação dos homens brancos não sofre queda entre 2014 e 2022 – ao contrário, estabiliza-se em um patamar elevadíssimo.
Em todos os estados e DF, há uma marcante sobre-presença de homens brancos. Apenas em Santa Catarina, um estado com baixo percentual de população não-branca, a sobrerrepresentação deste grupo é menos intensa, mas ainda assim verificável.
A situação das mulheres negras pelo país mostra o evidente desafio que precisamos enfrentar para garantir equilíbrio e justiça na representação. A vasta maioria dos estados nem aparece no mapa em 2014 e 2018, porque não elegeu nenhuma deputada negra. O cenário muda pouco em 2022, majoritariamente mantendo uma intensa sub-eleição das mulheres negras em relação à população deste grupo social na UF. O Rio Grande do Sul é interessante ser destacado, visto que, em 2014 e 2018, nenhuma deputada negra foi eleita no estado. No entanto, em 2022, é um dos estados com menor discrepância, junto a Acre e Rondônia. É preciso ter esforços relevantes em todo o país para aumentar as candidaturas de mulheres negras, com redução das desvantagens desse grupo social. Em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Roraima, o baixo número de candidaturas não é um problema, mas, sim, a sua competitividade para ganhar as eleições.
Avaliar as diferenças estaduais na concorrência eleitoral e nas chances de vitória é central para traçar estratégias de fomento à expansão de candidaturas negras e de mulheres, ação necessária para construir um contexto político democrático no Brasil, no qual todas as pessoas tenham o mesmo valor e chances semelhantes de ocupar posições de poder político. A distribuição de população feminina é uniforme, mas quanto a grupos raciais varia em cada unidade da federação. Dessa maneira, é necessário pensar em gênero de modo articulado com raça para entender como se dá o controle dos espaços de poder por homens brancos. Apesar das mudanças institucionais eleitorais voltadas para a inclusão que foram exigidas pelas forças democráticas e executadas nos últimos anos, continuamos com uma Câmara dos Deputados com o perfil de sempre.
* Carlos Machado é professor de ciência política no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol-UnB), onde coordena o Núcleo de Pesquisa Flora Tristán. É coautor do livro “Raça e eleições no Brasil” (Zouk, 2020). Pesquisa partidos políticos, sistemas eleitorais, raça, gênero e política.
Pedro Paulo de Assis é doutor em ciência política pela UFSCar. Pesquisador do Centro de Estudos em Partidos Políticos da UFSCar e coordenador do projeto OddsPointer.
Viviane Gonçalves Freitas é professora no Departamento de Ciência Política da UFMG. Doutora em Ciência Política (UnB). Pesquisadora associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política e ao Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG). Coordenadora e cofundadora do GT Mídia, Gênero e Raça (Compolítica).
Danusa Marques é diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán, associada à Rede de Pesquisas em Feminismos e Política, é coorganizadora de “Feminismos em Rede” (Zouk, 2019). Pesquisa elites políticas, eleições e gênero.
Este artigo é uma colaboração entre IPOL-UnB e Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados. Foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.
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