Enquanto as pesquisas de intenção de voto apontam uma divisão do eleitorado entre o ex-presidente Lula (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), a radicalização das eleições gerais de 2022 chega às ruas em forma de casos de violência política. O que parecia ser um triste evento pontual se tornou corriqueiro e quase diário.
Segundo a Anistia Internacional Brasil, foram 42 situações de violações de direitos humanos de 2 de julho a 29 de setembro, no contexto eleitoral. Ou seja, a cada dois dias, houve pelo menos um caso de violência política.
O primeiro a ser amplamente divulgado ocorreu em 10 de julho deste ano, na cidade de Foz do Iguaçu (PR). O guarda municipal Marcelo de Arruda foi morto a tiros durante sua própria festa de aniversário de 50 anos, temática e decorada com imagens de Lula e do PT. Marcelo havia sido candidato a vice-prefeito da cidade pelo PT nas eleições de 2020, era diretor do Sindicato de Servidores Públicos do município e tesoureiro do PT em Foz.
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O policial penal federal Jorge Guaranho invadiu a festa e atirou no aniversariante após esbravejar o nome de Bolsonaro e proferir xingamentos ao ex-presidente. Guaranho foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná por homicídio duplamente qualificado por motivo fútil e perigo comum, com pena que pode variar de 12 a 30 anos de prisão.
A ocorrência mostra um padrão. Levantamento feito pela reportagem indicou que, na grande maioria dos casos apurados, foi de bolsonaristas a iniciativa do ataque. Segundo dirigentes petistas, não se trata de algo fortuito, mas de uma estratégia deliberada de intimidação cujo objetivo é impedir que os simpatizantes de Lula e do PT manifestem suas preferências de público.
No dia 16 de julho, por exemplo, candidatos de partidos de esquerda denunciaram um ataque por parte de militantes bolsonaristas armados durante ato do deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), candidato ao governo do Rio de Janeiro nessas eleições.
PublicidadeOs participantes do ato acusaram o deputado estadual bolsonarista Rodrigo Amorim (PTB-RJ) e seus apoiadores de quebrar bandeiras, agredir e ameaçar os militantes. O advogado Rodrigo Mondego (PT), candidato a deputado estadual, disse ao Congresso em Foco que pelo menos cinco homens mostraram armas na cintura.
No dia 31 de agosto, um policial militar atirou em um fiel dentro da Igreja da Congregação Cristã no Brasil em Goiânia também por motivação política. O PM Vitor da Silva Lopes atirou na perna de Davi Augusto de Souza, que havia questionado o fato de a igreja distribuir um texto para os fiéis não votarem em candidatos “vermelhos”, que, segundo ela, atuam pela “desconstrução das famílias”. Os dois eram conhecidos e frequentadores da igreja evangélica.
Em 7 de setembro, um homem de 42 anos foi assassinado com golpes de faca e machado durante discussão por questões políticas na zona rural de Confresa, município localizado a 1.160 km de Cuiabá (MT). Benedito Cardoso dos Santos, apoiador do candidato a presidente Lula (PT), foi morto por Rafael Silva Oliveira, de 24 anos, que apoia a reeleição de Jair Bolsonaro (PL).
Os dois homens discutiram por conta de política e desavenças quanto às eleições. De acordo com o delegado da Polícia Civil, o autor do crime acertou a vítima com ao menos 15 golpes de faca no olho, no pescoço e na testa. Como Bendito ainda estava vivo, Rafael pegou um machado e acertou a vítima no pescoço.
No último dia 21, um apartamento em Recife (PE), que ostentava na janela uma bandeira do PT, foi atingido por rajadas de tiro na madrugada. Dois tiros atingiram o apartamento com a bandeira petista, e pelo menos mais três tiveram como alvo os apartamentos de famílias que moram nos andares de baixo.
Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco disse que era prematuro afirmar que houve motivação política no crime. Após a perícia, a bandeira foi retirada da varanda. “Mesmo sendo ainda apenas uma hipótese, é algo grave e que nos deixa assustados”, afirmou o síndico do prédio.
No dia 24 de setembro, uma jovem de 19 anos foi agredida em um bar na cidade de Angra dos Reis (RJ). Estefane de Oliveira Laudano conversava com a irmã mais velha e amigos sobre o apoio de um amigo ao presidente Bolsonaro quando um desconhecido se aproximou do grupo e começou a proferir xingamentos.
O homem, posteriormente identificado como Robson Dekkers Alvino, de 52 anos, foi expulso do bar pela dona do estabelecimento, mas voltou com um pedaço de madeira. O homem continuou com xingamentos homofóbicos e partiu para a agressão física. Estefane entrou na frente da irmã para defendê-la e foi atingida na cabeça. A jovem sofreu um corte e precisou levar sete pontos.
No sábado (24), foram ao menos dois ataques registrados. Em Cascavel (CE), um homem entrou em um bar e matou um eleitor do ex-presidente Lula (PT). O assassino entrou no estabelecimento perguntando quem votaria no petista e a partir daí executou a ação violenta.
A vítima, Antônio Carlos Silva de Lima, de 39 anos, não tinha antecedentes criminais. O homem que atacou Antônio, Edmilson Freire da Silva, 59 anos, já tinha passagens pela polícia por lesão corporal dolosa.
No mesmo dia, uma outra briga de bar em Rio do Sul (SC). Hildor Henker, de 34 anos, usava uma camisa em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e morreu após ser esfaqueado. A Polícia Civil do estado investiga se o crime ocorreu após discussões políticas.
No último domingo (25), a uma semana das eleições, o candidato a deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP) foi abordado por um apoiador do Movimento Brasil Livre (MBL) de apenas de 15 anos. Na ocasião, o jovem, que estava filmando, questionou Boulos sobre como ele “defenderia a democracia apoiando regimes como o de Cuba”.
Na versão do MBL, houve confusão e o rapaz teria sido agredido. Em imagens divulgadas pelo movimento é possível ver que alguém mexe na câmera em que o jovem filmava e pergunta “o que é isso?”. Fotos do jovem sangrando também foram divulgadas.
Na confusão, o candidato a deputado Cristiano Beraldo (União-SP) dá voz de prisão a Boulos e aciona a Polícia Militar de São Paulo (PM-SP), que tenta o conduzir o político do Psol para a 4ª Delegacia de Polícia Civil. A PM só desistiu da condução após a chegado do advogado de Boulos e candidato a deputado federal Augusto de Arruda Botelho (PSB-SP).
Já na noite do mesmo dia, o deputado Paulo Guedes (PT-MG) foi alvo de um atentado a bala no município de Montes Claros (MG), onde fazia campanha política. Nas redes sociais, Guedes denunciou que um policial militar bolsonarista à paisana atirou três vezes no carro de som em que ele estava. Ninguém foi atingido.
“Acabei de sofrer um atentado. Bolsonarista disparou três tiros contra o carro de som em que eu estava, durante carreata em Montes Claros. Até onde vai esse ódio?”, questionou. Apoiadores do candidato à reeleição seguiram o veículo em que estava o autor dos disparos que parou em uma rua escura. Além do motorista, um casal que estava no veículo do suspeito também foi preso.
Na terça-feira (27), dois novos casos. Ianário Pereira Souza Rocha, motorista da candidata a deputada estadual Sabrina Veras (MDB) nessas eleições, foi morto a tiros durante um evento político em Fortaleza (CE). Em nota publicada nas redes sociais, a equipe da candidata afirmou que “as autoridades policiais já iniciaram as investigações no local para apurar a motivação do crime”.
“Esperamos que as autoridades realizem ampla e célere investigação e responsabilizem os culpados. Extremamente abaladas, Sabrina Veras e sua equipe estão prestando total apoio à família da vítima, à qual se solidarizam com os mais profundos votos de pesar, assim como a seus amigos e colegas”, conclui a nota.
Já em São Gonçalo (RJ), trabalhadores que atuavam na panfletagem do candidato a deputado federal Dimas Gadelha (PT) foram agredidos por um grupo supostamente ligado ao PL e ao também candidato nessas eleições, Douglas Ruas, candidato a deputado estadual e filho do prefeito da cidade, Capitão Nelson.
O grupo agressor abordou os militantes com gritos de “é guerra” e “tropa do capitão”. Na confusão, foram desferidos socos e uma mulher grávida foi empurrada. O vídeo foi compartilhado por Eliane Campos mostra a mulher deitada no chão enquanto é socorrida.
Não vão nos intimidar! Não daremos um só passo atrás, @MP_RJ @defensoria_rj @alerj pic.twitter.com/LFW2yWe7oK
— Liane 50.050 (@LiianeO) September 26, 2022