Tom Barros e Felipe Michel Braga*
O que observamos no dia 8 de janeiro, com a invasão e depredação das sedes dos Poderes da República em Brasília, pode ser considerada a expressão máxima da nossa falta de coesão social. O presidente do Congresso Nacional Rodrigo Pacheco dizia uma semana antes, em seu discurso na cerimônia de posse do presidente Lula: “Para além do ensino teórico, a educação brasileira deve englobar conceitos de cidadania, diversidade, respeito, ética. Precisamos, enfim, formar cidadãos”.
No Brasil, matamos e morremos aos milhares no trânsito, somos estruturalmente racistas e marginalizamos minorias, boa parte das nossas famílias está endividada para além da sua capacidade de pagamento e percebemos muito alta a corrupção política, ética e moral. Porém, o mais grave dos efeitos desse fenômeno em que prevalecem a falta de uma visão comum de futuro e a descrença nas instituições, são as ameaças à democracia e à paz, exatamente como vimos no último domingo. Não há apenas indiferença social, já bastante nociva. O “outro”, o diferente, é visto como inimigo.
Elementos de agregação em uma sociedade podem nascer de fatores distintos, como a união necessária para sobreviver a períodos de extrema escassez, crises sanitárias agudas e guerras. A percepção de que viver juntos é melhor do que “cada um por si” por vezes vai sendo transmitida pouco a pouco. Antes, esse sentimento comunitário, de que dependemos uns dos outros, deve estar disseminado na cultura. Felizmente, aquilo que não se observa ou se experimenta diretamente pode ser aprendido.
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Não é novidade que a educação tem um peso gigantesco no progresso social e econômico de uma nação. Uma taxa razoável de mobilidade social em um país em desenvolvimento – e a possibilidade real de que as crianças de famílias pobres deixem de ser pobres no futuro -, vai depender de que tenham uma formação que garanta oportunidades. Educação de qualidade, equitativa e inclusiva é a garantia de um direito fundamental.
É imprescindível que os estudantes aprendam matemática, ciências e linguagens para que se tornem adultos com autonomia intelectual e independência material, e possam escolher seus próprios caminhos. No centro desse sistema, escolas e educadores, principalmente das redes públicas, travam uma batalha diária para oferecer mais com os poucos recursos que têm. Sem falar da necessidade urgente de recompor aprendizados, decorrente da pandemia de covid-19.
PublicidadeNo entanto, o desenvolvimento de competências técnicas, absolutamente prioritárias, não são suficientes para a plenitude da vida em sociedade. Um processo formativo integral é fundamental para a construção de um ambiente social acolhedor e solidário. Políticas de Educação para Cidadania e Bem-estar já vem sendo aplicadas há bastante tempo. Muitas temáticas transversais e interdisciplinares que ganharam as escolas nos últimos anos passaram a fazer parte do cotidiano das famílias.
Governos e organizações multilaterais mundo afora aplicam e recomendam. Muitas redes de ensino no país já têm estrutura e processos para atender a essa demanda. No entanto, para cumprir seu papel, esse esforço deve ser ampliado, integrado e insistentemente avaliado para chegar a todas as crianças e jovens do país, com qualidade e de modo eficiente e sustentável. As dez competências gerais previstas na Base Nacional Comum Curricular precisam se tornar realidade, em práticas em sala de aula e na educação das crianças e jovens.
A inspiradora professora Gina Vieira lembra que “A escola se queixa o tempo todo de que os estudantes não têm autonomia, não são participativos, mas autonomia e participação não são condições dadas, é algo que se aprende. E são elementos que a gente constrói não pelo discurso e pelas longas aulas expositivas, instrucionistas e verbalizações impostas a crianças e adolescentes, mas pelas vivências que lhes são proporcionadas.”
Em seu artigo Professoras(es): protagonistas na construção de uma educação democrática e com equidade étnico-racial, Gina reflete sobre esse papel crucial dos educadores e da escola na promoção da cidadania plena, destacando a importância do desenvolvimento da experiência participativa na formação democrática. Ela cita o educador Anísio Teixeira, em seu livro Educação para a Democracia, “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.”.
Para realizar tanto, a Educação para Cidadania e Bem-estar vai precisar conquistar os mais diversos apoios. O fortalecimento de um ecossistema educacional que promova o bem-estar social e emocional dos alunos, a solidariedade e responsabilidade social, o fortalecimento do espírito crítico individual, e a importância da convivência e do espaço comum para a vida social não pode prosperar sem a participação de todos.
Uma parte do nosso tecido social que vinha sendo esgarçado nos últimos anos foi violentamente rasgado na Praça dos Três Poderes diante dos nossos olhos. Não dá para esconder o sol com a peneira. Tomando emprestado o nome da necessária e valiosa campanha Educação Já, liderada pelo Todos pela Educação, a Educação para Cidadania e Bem-estar também não pode mais esperar.
* Tom Barros é fundador do Observatório Social de Brasília, servidor federal líder do Programa Tesouro Educacional, líder Raps e Lemann fellow. Já Felipe Michel Braga é Presidente do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais, servidor público no mesmo estado e Lemann fellow.
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