Ronaldo Lemos e Márlon Reis *
Democracia no Brasil tem dono. Hoje apenas dez empresas são responsáveis por financiar a campanha de 70% dos deputados federais.
Em seu depoimento, o delator Paulo Roberto Costa disse: “Não existe doação de empresas para campanhas que não queiram recuperar o dinheiro depois. Se um empresário doa R$5 milhões, vai querer recuperar R$ 20 milhões”.
Quando um delator do petrolão – possivelmente o maior escândalo de corrupção já descoberto no Brasil – concorda com um professor de Direito da Universidade de Harvard de que é urgente acabar com o financiamento empresarial de campanhas, é porque o modelo atual está de fato falido.
O professor de Direito Lawrence Lessig dedica-se há dez anos a combater a corrupção. Ele chama o financiamento empresarial de campanha de “a maior de todas as corrupções”.
Em seus estudos, mostra que políticos que recebem doações de empresas passam até 80% do seu tempo atendendo aos interesses de quem os financiou. Ou seja, buscam a todo custo garantir que terão recursos novamente na próxima eleição. Muitos viram funcionários dos donos da democracia.
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No Brasil o Congresso Nacional está prestes a fazer um absurdo: mudar a Constituição para privatizar de vez a democracia, tornando um “direito fundamental” que empresas possam fazer doações a campanhas eleitorais.
Empresas não são cidadãos. Empresas atuam para gerar lucro para seus acionistas, o que é legítimo. Mas não podem ter um peso maior do que o povo para decidir o que é melhor para o país. Isso é um ataque ao princípio da igualdade.
O custo médio para se eleger um deputado no Brasil hoje é de R$ 6,4 milhões. Ou seja, apenas um grupo seleto de pessoas no país hoje tem acesso aos doadores que viabilizam esse custo. O resultado prático é que só esse grupo de candidata. E monopoliza a democracia.
A questão não é moral, mas jurídica e política. No plano jurídico, ela diz respeito diretamente ao tema dos direitos e liberdades fundamentais, que consagra em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto de San José o direito de todos a um governo honesto, com mandatários selecionados em eleições livre e justas. Tudo se desfaz quando entra em campo o abuso do poder econômico definido a sorte ou o azar dos pretendentes a cargos eletivos.
No plano político, afastar o abuso do poder econômico é medida fundamental para o florescimento de lideranças políticas autênticas, preservando o sentido da representação.
O que o Brasil precisa nesse momento difícil é permitir que cidadãos de todos os extratos sociais possam se candidatar para defender o interesse público, em condições de igualdade. Ninguém deve ser discriminado eleitoralmente por não fazer parte do “esquema” para conseguir doações de empresas.
No século 19 viveu nos Estados Unidos um político mafioso chamado Chefe Tweed. Ele mandava e desmandava até ser preso por corrupção. Sua frase favorita era: “Não me importo em quem as pessoas votam, desde que eu nomeie quem concorre”.
O financiamento empresarial que vigora no Brasil é a encarnação do mafioso Tweed: quem decide quem concorre nas eleições com chance de vitória são os doadores empresariais de campanha junto com os dirigentes partidários. Uma vez feita essa decisão, pouco importa em quem as pessoas votam. A eleição já nasceu com cartas marcadas.
Não é válido o argumento de que há empresas doadoras que não condicionam o apoio à celebração de contratos ilícitos no futuro. O simples desequilíbrio entre os candidatos produzido pela escolha de um em detrimento dos demais já constitui uma lesão irreparável.
Também é descabido o argumento de que a proibição das doações empresariais apenas teria o efeito de ampliar o caixa 2. Essa afirmativa parte da premissa – preconceituosa e equivocada – de que os empresários brasileiros são em regra capazes de praticar atos criminosos para ampliar os lucros, quando na verdade muitos só financiam campanhas por ser algo autorizado pela lei. Além disso, é preciso levar essas doações para a ilegalidade se quisermos autorizar os órgãos de fiscalização a cumprirem o seu papel. Do jeito que está hoje, a doação de campanha, ao contrário, acaba sendo utilizada como justificativa e defesa em muitos processos criminais que escandalizam o país.
No último dia 2 de setembro, o Senado brasileiro adotou postura surpreendente e correta: por 37 votos a 31, proibiu as doações de empresas a candidatos nas próximas eleições. Trata-se de uma vitória pontual, já que a Câmara dos Deputados pode vir a restabelecer essa inadequada fonte de financiamento de campanhas. A Suprema Corte também está analisando a matéria após a Ordem dos Advogados do Brasil haver a arguido a inconstitucionalidade das doações empresarias. Será um debate difícil, que suscita a atuação de poderosos agentes econômicos interessados em manter as coisas como estão.
Democracia não pode ter dono. Os deputados devem mostrar para o povo que não são funcionários dos donos da democracia. Devem acabar com a doação empresarial, assim como votou o Senado. Essa medida é a pedra fundamental para a reconstrução do Brasil.
* Ronaldo Lemos é advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org), professor da disciplina Direito e Inovação na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Márlon Reis é juiz de direito no Maranhão, um dos redatores da minuta da Lei da Ficha Limpa, autor no livro O Nobre Deputado (LeYa).
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