Tão cedo o rastro de destruição do governo Bolsonaro sobre os principais pilares da convivência democrática e cordial entre os cidadãos será removido. Vai demorar muitos anos para que os efeitos deletérios da política armamentista e da cultura da violência como método de solução de problemas sejam neutralizados. Até porque nas últimas eleições a bancada de adeptos, aliados ou simpatizantes do ex-presidente saiu turbinada das urnas. Todos defendendo em uníssono o pensamento reacionário, violento e individualista do capitão.
Para ficar num único exemplo, basta ver que as bancadas BBB – B (de bala), B (de Bíblia, os evangélicos) e B de boi (os representantes do agronegócio) garantiram a aprovação na reforma tributária da isenção do imposto seletivo sobre as armas. Ou seja: asseguraram um incentivo à venda e à aquisição de armas. Desde sua criação há 20 anos, o Estatuto do Desarmamento, que regulou aquisição, posse e uso de armas de fogo no Brasil, está sob ataque ininterrupto. Nem mesmo diante das evidências e estatísticas segundo as quais quanto maior o número de armas em circulação maior é a violência, as bancadas armamentistas não depuseram as… suas armas. Dia e noite parlamentares se revezam nas tribunas exigindo exatamente o contrário: o direito irrestrito de qualquer pessoa adquirir, portar e usar armas de fogo. Só para lembrar: Bolsonaro, em pleno governo, defendeu que todo brasileiro tivesse garantido o direito de ter seu fuzil.
O próprio decreto regulamentando o uso da força pelas polícias estaduais, publicado na véspera do Natal, está sob ataque da direita e da extrema-direita. Pelo menos três governadores – o do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, o de Goiás, Ronaldo Caiado e a governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão – detonaram o decreto alegando interferência indevida do governo federal em sua autonomia. Recentemente, pelo menos os governadores nordestinos se manifestaram em sentido contrário. Divulgaram nota garantindo que a medida “não altera a autonomia dos estados nem as normativas já estabelecidas” e “reafirma a centralidade da prudência, do equilíbrio e do bom senso no exercício da atividade policial”.
Já o número de armas em circulação não parou de crescer no governo armamentista de Bolsonaro e depois dele. O número delas mais que dobrou e chegou a quase 3 milhões no período de 2019 a 2022, segundo levantamento dos institutos Igarapé e Sou da Paz. E o crescimento, segundo a equipe que realizou o estudo, tem relação direta com medidas adotadas durante a gestão de Jair Bolsonaro na Presidência. Medidas que facilitaram o acesso a armamentos, principalmente entre os CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores). Ficou mais fácil o porte municiado e a disponibilidade de armas mais potentes e em grande quantidade. O crescimento é mais assustador quando se observa que os membros de instituições militares deixaram de ser os principais proprietários de acervos particulares de armamentos. Os CACs assumiram essa dianteira. Agora podem adquirir, e estão adquirindo, armas de calibres muito superiores. E que ninguém se iluda: o aumento de armas em circulação é levado em conta pelo crime organizado, que se prepara para explorar essa movimentação de armas em seu proveito.
Imposto maior para armas? Veja como cada senador votou
Pelo resultado da votação que resultou na retirada do imposto seletivo sobre os armamentos é possível prever que o crescimento de armas em circulação continuará em escala geométrica. Ainda mais num parlamento que, pelas últimas projeções, tende a se tornar cada vez mais conservador e autoritário. Até aqui, Lula e seu governo fizeram pouco ou quase nada para reverter a queda em sua popularidade, essencial para garantir as condições mínimas para disputar uma eleição com chances de vitória. Sequer se esboçou qualquer gesto no sentido da construção de uma alternativa ao próprio Lula para as próximas eleições, considerando a possibilidade real de não ter condições físicas de concorrer. Sem esquecer que o próximo pleito será muito mais difícil do que o último, em que a esquerda venceu por um fiapo de votos. Também não se viu qualquer medida concreta no sentido de fazer frente ao avassalador crescimento da extrema-direita nas redes sociais, enquanto Lula permaneceu nos mesmos níveis. Tudo em sintonia global com o crescimento da extrema-direita no mundo, tendo à frente o republicano Donald Trump, com inegáveis reverberações na conduta do eleitorado tupiniquim. Só para reforçar: hoje, o palco da política é o cyber-espaço, especialmente as redes sociais. O sistema de comunicação da presidência da república tem atuação pífia nessa área que se tornou, apenas, estratégica. Mas o governo parece que não está dando a mínima bola. Continua acreditando em santinhos, cartazes e comícios em cima de carrocerias de caminhões. Enquanto isso, a boiada vai passando…
Tal quadro remete à conclusão assustadora de que, mantendo-se a situação de hoje no pleito de 2026, a tendência é o crescimento das alas de centro, centro-direita, direita e extrema-direita no parlamento. Ou seja: as bancadas armamentistas, fortalecidas, têm tudo para ampliar ainda mais tanto a aquisição quanto a posse e o uso de armas de fogo. E assim, sem qualquer exagero, têm farto potencial para transformar o país num grande faroeste. E o problema não tem a ver com esquerda ou direita, mas, sim, com a sobrevivência de todos em meio ao tiroteio que se vislumbra. Já passa, e passa muito, da hora de o governo acordar para essa realidade e, pelo menos, começar a se mexer.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.