Um pastor norte-americano que fez discurso de ódio contra a população LGBTQIA+ em um congresso evangélico no último fim de semana, em Brasília, será investigado e poderá responder a processo pelo crime de racismo. Um inquérito para apurar o caso foi aberto nesta quarta-feira (22) pela Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin) da Polícia Civil do Distrito Federal.
No encontro, que teve apoio institucional do governo do DF, o pastor David Eldridge diz que a população LGBTQIA+ “tem uma reserva no inferno”. A pregação foi feita por ele no domingo (19) durante o congresso da União das Mocidades das Assembleia de Deus de Brasília, transmitido pelas redes sociais. Segundo a delegada-chefe adjunta da Decrin, Cyntia Carvalho e Silva, também serão investigados os responsáveis pela divulgação do vídeo na internet.
“Todo homossexual tem uma reserva no inferno, toda lésbica tem uma reserva no inferno, todo transgênero tem uma reserva no inferno, todo bissexual tem uma reserva no inferno”, disse o pastor, em inglês, enquanto era traduzido em tempo real por um fiel da igreja.
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LGTBfobia
O inquérito foi aberto após ação conjunta da Aliança Nacional LGBTI+ e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABFH). Tanto o pastor quanto os responsáveis pela disseminação do vídeo poderão responder pelo crime de racismo na modalidade LGBTfobia. A pena, em ambos os casos, varia de dois a cinco anos de prisão.
Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o racismo possui caráter político-social, e, portanto, a população LGBTI+ deve ser protegida nos termos da Lei Antirracismo (Lei 7.716/1989) enquanto não houver lei específica.
“A fala proferida configura discurso de ódio e tem o condão de influenciar a violência contra a população LGBTI+ que já sofre extremamente no Brasil com a violência conforme tantos anuários relatam”, observa a autora da ação, a advogada Amanda Souto Baliza, primeira mulher trans a presidir uma comissão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Amanda, que também é vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Nacional, destaca, na ação, que o conceito de liberdade de expressão não é absoluto e não pode ser usado para a prática de crime.
PublicidadeO deputado distrital Fábio Félix (Psol) também pretende acionar o Ministério Público contra David Eldridge. “Discurso de ódio não é liberdade religiosa. É crime”, lembra o deputado, que também é ativista LGBTQIA+. “O trecho do vídeo que está viralizando aconteceu no congresso de jovens das Assembleias de Deus, realizado no último domingo, no pavilhão do Parque da Cidade. O vídeo completo só agrava os absurdos que foram ditos. Além de condenar nosso afeto a um lugar ruim, subalterno, que precisa ser impedido de existir livremente nas ruas, o pastor também diz que homens que usam calças apertadas têm ‘espírito homossexual'”, afirma Félix.
O deputado distrital também critica o fato de o evento ter sido realizado em um espaço administrado pelo governo do Distrito Federal, o Pavilhão do Parque da Cidade, e ter contado com apoio do governo local. “A LGBTfobia não pode ser relativizada e tão pouco promovida pelo poder público”, afirma o parlamentar.
Em sua fala de mais de 40 minutos, Eldridge disse quem iria ou não para o inferno. Além da população LGBTQIA+, também foram alvo do pastor prostitutas, pessoas que assistem a “coisas sexuais” na TV, mulheres que usam saia curta e até homens que gostam de calça apertada.
“Você, moço, que está usando calça apertada, que é o espírito de homossexual: isso vai para o inferno! Você, moça, que quando sai de casa a saia está curta e apertada, você sabe o que está fazendo? Você tem uma reserva lá no inferno!”, disse.
Segundo a Aliança LGBTI+, as declarações de Eldridge incitam a violência contra uma população bastante vulnerável no país. De acordo com levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB), ao menos 256 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros foram vítimas de morte violenta em 2022. A partir da análise do noticiário, foram apontados 242 homicídios e 14 suicídios ao longo do ano passado, ou seja, uma morte a cada 34 horas. O Brasil é considerado o país que mais mata gays e LGBTQIA+.
Em 2021, por exemplo, um garoto de dez anos foi escalpelado pelo pai por ter “cabelo de viadinho”. No ano passado um jovem adolescente trans teve a casa apedrejada após um pastor afirmar que a permissão do uso do nome social na escola era uma aberração.
Além da abertura de procedimento investigativo para analisar a conduta do pastor, a Aliança pede que sejam oficiadas as plataformas de redes sociais para verificar se o vídeo foi publicado pelas igrejas que patrocinaram o evento. Solicita, ainda, que sejam tomadas providências para garantia da cadeia de custodia com preservação do vídeo até o final da investigação.
O Congresso em Foco não conseguiu localizar o pastor.
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