Os documentos da investigação da Polícia Federal sobre os atos golpistas de 8 de janeiro divulgados na quinta-feira (10), que incluem a quebra do sigilo telefônico do governador afastado do Distrito Federal, são extremamente complicadas para Ibaneis Rocha. No mínimo, apontam para alguém completamente aéreo sobre o que estava acontecendo, incompetente nas suas atribuições de responsável pelo policiamento e segurança de Brasília. Mas abrem com muita clareza indícios de participação em uma trama golpista maior. Ainda que escape dessa segunda e mais grave acusação, ficará muito ruim para Ibaneis: sua única saída será convencer todo mundo de que foi incapaz. Ou terá que dar muitas explicações.
A sequência de troca de mensagens de Ibaneis com outras autoridades da República vai do “tudo tranquilo” até o “chama o Exército”. Seu maior problema é que ele mantém o “tudo tranquilo” quando o Congresso Nacional já estava sendo invadido e depredado. É essa a resposta dele para a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, que, na sua mensagem, já comenta, evidentemente preocupada, que isso estava acontecendo.
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Diz a Rosa Weber que todo o efetivo policial estava nas ruas contendo as manifestações. Não era verdade, segundo os depoimentos dos próprios policiais que atuaram naquele dia. O comando da força policial naquele dia estava sob os cuidados de um major, Flávio Silvestre de Alencar, porque seu superior, a tenente coronel Kelly de Freitas Souza, estava de férias. Aliás, por alguma razão estranha, todos os comandantes dos principais batalhões das forças de segurança naquele dia estavam de férias ou de folga. A começar pelo próprio secretário de segurança do DF, Anderson Torres.
O major Flávio Silvestre de Alencar afirma em seu depoimento que “não tinha autonomia sobre o efetivo mobilizado, tampouco autonomia para solicitar mais efetivo”. Que, “na verdade estava ali para cumprir as determinações” do coronel Casimiro Vasconcelos Rodrigues, conforme mensagem que recebeu pelo whatsapp.
O major diz que “sequer sabia a quantidade de policiais” à sua disposição. O major chega a dizer “ter achado tudo muito estranho”. Diz ele em seu depoimento que “no caso de manifestações grandes como a ocorrida no dia 8 de janeiro, em regra a patente de comando é de tenente-coronel ou coronel”. Ele é major.
Ou seja, não estava sendo usado todo o efetivo policial disponível, como Ibaneis repetia nas mensagens que mandou para Rosa Weber, para o ministro da Justiça, Flávio Dino, e para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). No caso de Pacheco, na véspera dos atos, no sábado, 7 de janeiro, ele já tinha informações repassadas pela Polícia Legislativa do risco de invasão do Congresso. Informações que Ibaneis, responsável pelo policiamento e segurança de Brasília, não tinha.
PublicidadeE Ibaneis vai sustentando na troca de conversas essa convicção de que tudo estaria sob controle até a óbvia constatação de que nada estava sob controle. Até porque tudo estava sendo transmitido ao vivo pela televisão e era claro que a horda de verde e amarelo estava invadindo praticamente sem qualquer reação policial a sede dos três poderes da República. Então, na mensagem final, Ibaneis apela a Flávio Dino: “Vamos precisar do Exército”.
No mínimo, outra vez, era uma confissão de absoluta incompetência. Porque a partir do momento em que o presidente Lula decretou a intervenção federal na segurança do Distrito Federal e o comando das polícias passou para as mãos do interventor Ricardo Capelli, não houve necessidade da ajuda do Exército para retirar dos prédios os baderneiros e prendê-los. No final do dia, a mesma Polícia Militar que nada fizera antes tinha atuado para acabar com a baderna.
Se Ibaneis não quiser sair dessa história com atestado de idiota poderá ter que admitir, então, que participou de forma deliberada de um processo de inação policial para criar um estado de coisas que justificasse a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), consubstanciada na sua frase “Vamos precisar do Exército”.
A decretação da GLO era parte fundamental do golpe que se arquitetava, estando ou não Ibaneis envolvido nele. Em uma das hipóteses investigadas, seria a constatação de uma necessidade de tutela militar sobre o governo Lula. Em outra das hipóteses, mais grave, poderia acontecer algo pior: uma insurreição dos oficiais de baixa patente, exigindo, então, que as Forças Armadas dobrassem sua intervenção para conter a insubordinação.
Ou a turma de farda enganou Ibaneis para criar a bagunça, ou Ibaneis sabia de toda a trama. Não parece haver a essa altura uma terceira hipótese.
Ibaneis chegou ao poder no Distrito Federal em uma leva de neófitos na política embalados pela vitória de Jair Bolsonaro em 2018 (ainda que esse de neófito não tivesse nada). Parte de um discurso de necessidade de renovação dos quadros. Um dos expoentes dessa ideia, o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, acabou cassado. Ibaneis, que alardeava ser uma vantagem não ter experiência política e administrativa anterior porque não teria vícios, parecia ter superado o risco com a sua reeleição.
Agora, está enredado na situação. Se quiser manter a pose de esperto e de que sua inexperiência é uma vantagem, terá que explicar, então, como deixou a situação chegar ao ponto em que chegou no 8 de janeiro. Se admitir que suas forças de segurança o enganaram, terá que admitir que lhe faltou o traquejo e a experiência pela sua condição de neófito na política. Enquanto isso, governa o Distrito Federal Celina Leão. Que há um bom tempo já não é mais nenhuma menina na política.
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