Presença cada vez menos frequente nas sessões do Senado Federal, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), está envolvido em ao menos três disputas eleitorais que vão se desdobrar nos próximos anos. A primeira delas, a candidatura de seu irmão José Samuel Alcolumbre (DEM), o Josiel, à prefeitura de Macapá, tem levado o senador a se afastar das sessões virtuais do Plenário do Senado. A disputa será realizada em 15 de novembro deste ano, podendo haver segundo turno no dia 29.
Em fevereiro de 2021, um processo eleitoral interno vai eleger o senador que presidirá a Casa nos próximos dois anos. A Constituição proíbe que Davi seja reconduzido ao cargo, porém ele tenta viabilizar sua candidatura através de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) ou de um entendimento favorável do Supremo Tribunal Federal (STF).
Oficialmente, ele afirma que não está fazendo nenhum movimento em prol de sua recondução, pois precisa aguardar a resolução do imbróglio jurídico. “Se trata de um assunto sub judice no Supremo Tribunal Federal”, escreveu por intermédio de sua assessoria quando procurado pela reportagem. Apesar da indefinição, nos bastidores Davi já se coloca como potencial candidato e agrega apoios em torno de si, o que impede que outros nomes despontem com mais força.
Leia também
Como maior bancada do Senado, representantes do MDB entendem ser direito da sigla ocupar a Presidência da Casa no próximo biênio. O partido tem pelo menos três possíveis postulantes ao cargo, mas evita colocá-los abertamente para não entrar em rota de colisão com o atual dirigente.
De olho em 2022, Davi busca, ainda, se cacifar para disputar o governo do Amapá pela segunda vez ou se reeleger para o Senado – seu atual mandato acaba em fevereiro de 2023. Ele nega que seja candidato ao governo do estado e diz que vai buscar a reeleição para o Senado. Nas próximas eleições gerais, haverá apenas uma vaga de senador em disputa, por estado, o que fará com que o pleito seja ainda mais concorrido. Seja qual for seu destino, ele já costurou uma aliança com 11 partidos em torno da candidatura do irmão, buscando apoio em 2022.
Depois de ter contraído covid-19 em março, Davi presidiu a maioria das sessões remotas realizadas nos primeiros meses da pandemia. De julho para cá, porém, tem se afastado do dia a dia das sessões. Em Brasília, ele conduz as votações da sala de comando, geralmente ao lado de um senador da Mesa Diretora que o substitui quando, eventualmente, deixa a sessão mais cedo.
Segundo registro interno do Senado, desde junho, as ausências de Davi justificadas por “atividade política/cultural” se intensificaram. Em outras ocasiões em que não esteve presente fisicamente, ele registrou presença no sistema de deliberação remota, mas não participou da sessão.
Em setembro, mês em que as campanhas municipais começam oficialmente, Davi só registrou presença em uma das quatro sessões realizadas até o momento, sem justificar as ausências. O sistema registra apenas que ele “não compareceu”. Na semana do feriado de 7 de setembro, ele participou da cerimônia no Palácio da Alvorada para celebração do Dia da Independência, porém regressou ao Amapá e não se fez presente na única sessão do Senado realizada naquela semana. Senadores têm se queixado tanto da ausência de Davi quanto do cancelamento das sessões.
Em nota, a assessoria do presidente do Senado informou que “em nenhum momento” ele subestimou a importância de conduzir a Casa e frisou que o senador tem um perfil conciliador e “não mede esforços para aglutinar, unir e pacificar divergências e votar projetos importantes, sobretudo neste momento de pandemia e todas as implicações dela decorrentes”.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) defende que seria possível ajustar as votações à campanha eleitoral, dado que estão sendo realizadas sessões remotas, que não exigem deslocamentos dos senadores de suas bases até Brasília. Entre os 81 senadores, há dois candidatos a prefeito em 2020: Jean Paul Prates (PT-RN) vai concorrer à prefeitura de Natal e Vanderlan Cardoso (PSD-GO) vai disputar em Goiânia. Mesmo os senadores que não disputam nenhum cargo municipal costumam se deslocar aos estados para atender a seus redutos eleitorais, como é o caso de Davi.
“Me parece que tem uma praxe histórica do que eles chamam de recesso branco. Mesmo com pandemia, mesmo com tudo que está acontecendo alguns ainda insistem nessa realidade de parar tudo para se dedicar às suas bases eleitorais. Eu gostaria muito que fosse compatibilizado”, afirmou Vieira. Ele faz parte do grupo Muda Senado, que foi um dos apoiadores da eleição de Davi em 2019, mas que se descolou do senador desde então e pretende lançar candidatura própria em 2021.
Alianças municipais
Além do discurso oficial de que não pretende disputar o Executivo local, fontes avaliam que a tentativa de reeleição de Davi para o Senado seria uma manobra mais certeira, visto que seu mandato está próximo do fim e ele tem mais chances de reunir apoio e compor uma chapa como candidato a senador do que como postulante ao governo do estado. A imersão de Davi na campanha do irmão tem relação direta com os voos que ele pretende alçar em 2022, segundo observadores da política amapaense.
Josiel conta com o apoio do atual prefeito, Clécio Luis, que teve passagens pelo Psol e pela Rede, mas hoje está sem partido. Clécio pretende disputar o Palácio do Setentrião em 2022 com apoio de Davi, que pode compor uma dobradinha como candidato ao Senado. Além desse apoio, a coligação de Josiel para a prefeitura reúne mais de dez partidos: Avante, PSDB, PP, PDT, PSC, PSD, PV, PL, Pros, Republicanos e Solidariedade. Contra a candidata Patrícia Ferraz, deputada licenciada do Podemos, Josiel disputa ainda o espaço do bolsonarismo no estado, na tentativa de galvanizar votos do eleitorado do presidente da República.
De ascendência marroquina e judia, a família Alcolumbre é dona de postos de combustíveis, fazendas e comércios no estado. Com atuação nos bastidores da política, Josiel é proprietário da TV Macapá, afiliada da Rede Bandeirantes. Tido como pouco carismático, o novato (ele é suplente do irmão no Senado) tem aparecido entre a segunda e a quarta posições nas pesquisas de intenção de voto, lideradas pelo ex-governador e ex-senador João Capiberibe (PSB).
Hoje com 43 anos, Davi iniciou a carreira política em 2001, como vereador em Macapá. À época, ele era filiado ao PDT, partido em que permaneceu até 2006, quando deu uma guinada e migrou para o PFL, rebatizado posteriormente como DEM. Em seguida, foi eleito para três mandatos consecutivos na Câmara dos Deputados, onde integrava o chamado baixo clero, grupo de parlamentares com menor projeção nacional. Chegou ao Senado em 2015, após aliança com o centro e a esquerda para derrotar o candidato do ex-presidente José Sarney, Gilvam Borges (MDB). A rivalidade histórica com o grupo político de Sarney levou os partidos da esquerda a apoiarem Davi em 2014. Essas siglas creditam a vitória de Davi à sua participação.
O sucesso na trajetória no Legislativo, no entanto, não encontra ressonância nas tentativas de ocupar cargos no Executivo. Ele foi derrotado em 2012, quando tentou ser prefeito da capital Macapá, e em 2018, quando perdeu o governo do Amapá.
Naquele ano, a coligação que o apoiava agregava uma gama ampla de partidos que posteriormente o ajudaram a chegar à presidência do Senado, como Rede, PSDB, PSD e Podemos. No entanto, sem conseguir reunir os votos do campo da esquerda, ele obteve 23,75% dos votos válidos e amargou uma terceira posição, sem chegar ao segundo turno. “Não tinha como a gente apoiá-lo, porque ele era vice-líder do Temer, votou a favor da reforma trabalhista, da terceirização, do teto dos gastos”, disse o deputado federal Camilo Capiberibe (PSB-AP), que já foi governador do estado e é filho de João Capiberibe.
Para Camilo, Davi é um político habilidoso e foi em algumas ocasiões “o cara certo no lugar certo”, porém, não é um articulador político de peso nem defensor de grandes agendas. “Ele não tem uma agenda própria. Qual a agenda do Davi no Senado durante esses dois anos na Presidência? Do Maia a gente sabe, mas a do Davi, qual é? Não tem agenda”, avaliou.
Terceiro na linha sucessória da Presidência da República, desde que chegou ao comando do Senado, Davi ajudou na destinação de grandes somas de recursos ao Amapá e foi responsável por destravar investimentos na região. Um dos projetos capitaneados por ele foi o que regulamentou a transferência das terras da União para o Amapá e Roraima. Aliados elogiam o perfil conciliador e pacífico de Davi, que evita embates diretos com o governo e com o Judiciário. Por outro lado, adversários entendem que o pacifismo do senador beira a “subserviência”.
Sucessão no Senado
Em 2019, sendo o único membro da Mesa Diretora remanescente da legislatura anterior, Davi presidiu a sessão que acabou por elegê-lo presidente. Em um pleito conturbado, entrou em embate direto com o experiente Renan Calheiros (MDB-AL) – que tentava uma quinta presidência, mas acabou retirando a candidatura – e foi eleito com 42 votos favoráveis.
Contou a favor de Davi o apoio do então ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que perdeu relevância no governo ao longo do último ano. Ainda assim, a reeleição de Davi é bem vista pelo governo. A PEC que visa alterar a Constituição para permitir que ele dispute novamente foi assinada pelos líderes do Planalto no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), e no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Diferentemente de sua contraparte na Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Davi tem um relacionamento mais amistoso com o presidente Jair Bolsonaro.
Uma recondução no comando da Casa será chave para seus projetos políticos no ano seguinte e dará segurança ao Planalto, que já conhece o modus operandi do chefe do Legislativo. A advocacia do Senado já defendeu no STF que os presidentes do Senado e da Câmara podem ser reeleitos. A Advocacia-Geral da União (AGU) também se manifestou da mesma forma. O julgamento da ação do PTB que questiona a recondução, porém, segue sem previsão para ocorrer.
Para o senador Alessandro Vieira, a ausência recente de Davi nas sessões atrapalha a condução dos trabalhos na Casa, visto que ele tem funções exclusivas da Presidência que não são supridas por substitutos eventuais. “É um prejuízo, mas consequência clara de você colocar projetos individuais acima dos interesses da Casa e do Brasil”, disse ele.
Em nota, a assessoria do presidente do Senado ressaltou que Davi é o presidente do DEM no Amapá e que seu envolvimento com as eleições deste ano será pontual. “Como presidente estadual do Democratas no Amapá, e com a legitimidade que é conferida a todos os parlamentares durante as campanhas municipais, o senador Davi, por vinculação partidária, tem candidato nos 16 municípios do Amapá, inclusive em Macapá. As campanhas serão curtas; os eventos, em virtude do coronavírus, muito limitados e a participação do senador se concentra nos finais de semana.”
Veja a nota enviada de Davi:
“O presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, em nenhum momento subestimou a importância de conduzir a Casa da Federação. Ao contrário. De perfil conciliador, Davi Alcolumbre não mede esforços para aglutinar, unir e pacificar divergências e votar projetos importantes, sobretudo neste momento de pandemia e todas as implicações dela decorrentes.
Como presidente estadual do Democratas no Amapá, e com a legitimidade que é conferida a todos os parlamentares durante as campanhas municipais, o senador Davi, por vinculação partidária, tem candidato nos 16 municípios do Amapá, inclusive em Macapá. As campanhas serão curtas; os eventos, em virtude do coronavírus, muito limitados e a participação do senador se concentra nos finais de semana.
Quanto ao quesito reeleição para a presidência do Senado, ele explica que se trata de um assunto sub judice no Supremo Tribunal Federal.
Por fim, embora 2022 esteja distante, Davi assegura que não será candidato ao governo do Amapá, até porque já garantiu apoio a Clécio Luis a governador. A pretensão de Davi é, em 2022, renovar o seu mandato para o Senado Federal.
Assessoria de Imprensa da Presidência do Senado”
> Estratégica para deputados, eleição municipal atrapalha votações no Congresso