Uma das principais marcas do caráter de Dad Squarisi era sua sinceridade, que ela colocava acima de tudo, inclusive da própria amizade. Se tinha de fazer uma crítica, independente de quem fosse a “vítima”, ela a fazia, com muita naturalidade, de uma forma suave, mas firme. Ainda em plena atividade no Correio Braziliense, onde foi por décadas editora de Opinião, submeti a ela o texto de um amigo, propondo publicação. Firme como sempre foi, disse apenas que o texto estava muito ruim e não merecia ir para as páginas do jornal. Entendi, meti a violinha no saco e não falamos mais disso. De outra feita, enviei outro artigo, de outro amigo. Nem me respondeu: apenas o enviou à publicação sem pedir reparo algum.
Além disso, e até paradoxalmente, Dad, como já disse, era uma pessoa extremamente bem-humorada. Um bom-humor muito inteligente, que ela esbanjava nos textos de sua coluna semanal “Dicas da Dad”, no Correio Braziliense, traço que logo me atraiu e por isso mesmo procurei dela me aproximar.
Econômica nas mensagens pelas redes sociais e até quando falava ao telefone, primava pela objetividade. Por isso, tenho certeza de que aproveitou a vida ao máximo, sem desperdiçar um só minuto, eis que todo o tempo disponível era empregado em algum tipo de produção intelectual.
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No início dos anos 2000 produzi para a TV Globo Brasília uma crônica semanal, projeto que durou quase dois anos.
As crônicas eram exibidas no DF-TV 2ª Edição. O quadro se chamava “Crônicas da Cidade”. Tenho certeza de que foram elas que chamaram sua atenção para meu trabalho. Sempre que nos encontrávamos, conversávamos sobre o hermetismo e a chatice da maioria dos livros destinados a tirar dúvidas de quem escreve. A coluna “Dicas da Dad”, que ela publicava semanalmente no Correio, era exatamente o contrário, totalmente perpassada pelo seu bom-humor, aproveitando o que o noticiário oferecia. Inclusive as derrapadas dos figurões da república, que ela não perdoava. Passei a enviar vez ou outra alguma contribuição para a coluna, que era sempre bem aceita e aproveitada.
Como de uma vez em que mandei um exemplo de uso da crase a partir de um micropoema do escritor piauiense Cineas Santos, que diz: “O amor bate à porta/ E tudo é festa./ O amor bate a porta/ E nada resta”.
Mais de uma década depois, sabendo da minha disposição para o bom-humor, contou-me que estava pensando em produzir um tira-dúvidas de português, mas sem o carranquismo dos que andavam pelo mercado. Convidou-me para ser seu parceiro, convite aceito na hora, sem mesmo nem saber a parte que me caberia no projeto. Decidimos que o texto seria recheado de curiosidades escritas em tom de brincadeira. Essa parte ficou a meu encargo. E que cada letra do alfabeto ia ter uma pequena crônica… de minha autoria. Bingo! Feliz da vida, livre, sem qualquer tipo de amarras, nadei de braçada, enquanto ela se divertia a cada texto que lhe enviava, às vezes em plena madrugada. “1001 Dicas de Português – Manual Descomplicado”, numa edição primorosa da Editora Contexto, teve lançamentos em várias cidades. E a aceitação foi imediata. O livro continua vendendo bem, tanto na versão impressa como na virtual.
PublicidadeUma curiosidade que nos intrigou demais: apesar de termos varado diversas madrugadas fazendo pelo menos umas oito revisões completas, nem bem o livro foi lançado e recebi um e-mail de um leitor apontando 32 erros ou falhas de revisão. Isso apesar das três revisões feitas pela própria editora! Aprendemos que nós, autores, dificilmente enxergamos os próprios erros. Somos os piores revisores de nós próprios. O certo é deixar essa tarefa a cargo de outra pessoa. Num livro que se destina exatamente a ensinar como se escreve corretamente, uma falha dessas é pecado imperdoável, convenhamos.
Algumas vezes a recebemos em nossa casa, e logo um detalhe nos chamou a atenção. Angélica, minha mulher, esmerou-se para recebê-la para jantar pela primeira vez, caprichou no cardápio mas ela praticamente… não comeu quase nada! Ficou numa colherada ou outra, completou com um chazinho e ficou por isso. A partir daí “enxugamos” o o cardápio ao máximo. Ela a-do-rou!
Ultimamente quase não nos falávamos, pois a doença, que a retirou de Brasília durante muito tempo para tratamento em São Paulo, contribuiu ainda mais para ser econômica nos contatos. Lá um whatsapp ou outro e tudo bem.
Como escrevi a alguns amigos comunicando a partida dela, por aqui estamos tristes, chateados e alguns inconsoláveis pelo seu desaparecimento. Mas lá no plano celeste, acima das palavras que ela tanto amou e das quais fez motivo e razão de uma vida inteira, deve haver alguém comemorando sua chegada. Não é todo dia que se recebe uma pessoa correta, inteligente e bem-humorada como Dad Squarisi. Ela vai me xingar, lá onde estiver, porque odiava lugares-comuns. Mas Dad vai fazer uma falta danada. Ah, vai.
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