O Brasil sobreviveu ao segundo ano da pandemia de covid-19, mas a democracia sai com ferimentos graves diante de tantos ataques. Estas são as principais conclusões do Congresso em Foco Talk desta quinta-feira (16), que fez um balanço do ano de 2021 em Brasília.
“O grande risco é que, com todos nossos avanços, soframos retrocessos democráticos no ponto em que chegamos”, apontou o diretor do Congresso em Foco Insider, Rudolfo Lago. Para ele, o mais contundente ataque à democracia foram as seguidas investidas de Jair Bolsonaro contra a urna eletrônica. “Estes questionamentos colocam em dúvida o sistema eleitoral – e quando se coloca em dúvida o sistema eleitoral, se coloca a dúvida no todo.”
O diretor de redação do Congresso em Foco, Edson Sardinha, lembrou que o Brasil voltou a falar em golpe contra a democracia, 57 anos depois do golpe militar de 1964. Dessa vez, o apoio necessário a tais empreitadas – como o apoio internacional e popular – não veio, deixando Bolsonaro na mão.
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“Houve uma banalização deste discurso golpista. Todo mundo passou a aceitar estas declarações dele como se fossem arroubos”, disse Edson. “Mas na verdade não são arroubos. Ameaçar a democracia, por em xeque a lisura das eleições, dizer que não vai aceitar o resultado das eleições se não for derrotado, isso por si só já é uma violência e já é uma violação à democracia e não só uma ameaça.”
Coube ao Supremo Tribunal Federal (STF) a missão de segurar os ímpetos bolsonaristas, avaliou o editor do site Guilherme Mendes. “O STF passou por um teste de estresse em 2021”, disse. “As tensões começaram realmente a escalar perto do 7 de setembro […] Estes atos lembraram muito o que foi o ato de seis de janeiro nos EUA. No Brasil a intenção parecia a mesma, mas mesmo por falta de apoio ele acabou sendo mais tímido. Mas este foi o momento em que o Supremo se preparou, para apertar os cintos.”
PublicidadeApesar de considerar que a suprema corte agiu como antagonista do presidente Jair Bolsonaro em muitos momentos, Guilherme considera que o ano não foi apenas de derrotas para o presidente na corte: apesar de sua retórica irascível, ele conseguiu colocar seu segundo ministro na core, André Mendonça, nesta mesma quinta-feira. Longe das derrotas do governo que ganharam os holofotes, a Fazenda Nacional obteve importantes vitórias na corte.
Momento é de copo vazio
A historiadora e pesquisadora de relações raciais e de gênero Wania Sant’Anna, vice-presidente do Conselho Curador do Ibase e colunista do Olhares Negros, enxerga que o momento, para as minorias, é de um ambiente tóxico e de franco retrocesso. “Não avançamos e o cenário é de retrocesso mesmo”, lamentou, “e isso que ameaça de morte a democracia”.
Ao ser questionada se o ano de 2021 será lembrado como de mais avanços ou retrocessos, Wania se valeu de uma velha metáfora, mas apontou um resultado nada animador: “O copo está meio vazio para ser gentil – mas talvez devêssemos ser mais verdadeiras e dizer que o copo está vazio.”
A pesquisadora, que foi secretária de Direitos Humanos no Rio de Janeiro, destacou os movimentos de resistência que têm surgido nesse cenário de terra arrasada. “Os retrocessos não foram maiores porque existe um campo formado na sociedade brasileira que resiste à banalização do mal, que acho que é absolutamente importante em uma sociedade violenta como a brasileira”, ponderou. Refutar o negacionismo e confiar no Sistema Único de Saúde (SUS) também seriam forma de resistência que a sociedade tomou em massa. “Pode parecer pouco ou mesmo ridículo, mas foi um ato de resistência.”
A mediação foi de Vanessa Lippelt, também editora do Congresso em Foco. Esta será a última edição do Talk em 2021. O programa voltará em 13 de janeiro.
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