Antonio Bara Bresolin *
Os cem primeiros dias de governo federal marcam o início do mandato do novo presidente, seus ministros e equipes técnicas, consolidando as pautas e prioridades que nortearão os quatro anos subsequentes. Com o desmonte do Ministério da Educação (MEC) nos últimos quatro anos e os impactos da pandemia na área educacional, tem sido falado, de forma recorrente, sobre o tanto que há para se fazer para promover a recuperação da educação no país após o fim do governo Bolsonaro.
Neste contexto, uma das pautas prioritárias nos próximos anos deve ser o combate à desigualdade estrutural da sociedade brasileira, que também se faz presente no campo da educação. Ainda que histórica, ela foi reforçada pela pandemia, tornando urgentes mudanças em nosso modelo educacional. O perfil do estudante – caracterizado pelo nível socioeconômico da sua família, local onde reside, gênero, raça ou deficiência – não pode seguir determinando, por exemplo, a qualidade do ensino ao qual ele tem acesso. Essa realidade precisa ser enfrentada: não há mais como pensar em voltar ao “antigo normal”.
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O documento “Impactos da pandemia na educação brasileira”, coordenado pela associação Dados para um Debate Democrático na Educação (D3e) em parceria com a Fundação Lemann, reúne evidências de pesquisas científicas e revela, entre outros pontos, que os estudantes de nível socioeconômico mais baixo apresentaram perdas de aprendizagem mais acentuadas no período. Segundo esse documento, estudos preliminares com dados de 2020 identificaram que esses alunos aprenderam a metade em comparação aos seus pares que não estavam em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Uma das pesquisas analisadas compara o desempenho de alunos em testes padronizados nos anos de 2019 e 2020 e estima as perdas de aprendizagem para alunos do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio na rede estadual de São Paulo: oito a nove meses de aprendizado não desenvolvido, ou seja, somente 27,5% do que foi aprendido no formato presencial.
A partir das referências sistematizadas, a nota técnica apresentada pelo D3e também destaca a necessidade de priorizar estratégias e programas de recuperação de aprendizagem, analisando sua eficácia. O mapeamento de algumas iniciativas nacionais promissoras, já em andamento, indica focar em crianças em fase de alfabetização e naquelas em situação de maior vulnerabilidade, bem como estruturar bons programas de busca ativa e de permanência nas escolas. Ações ainda incluem elaborar e dar visibilidade a programas de acolhimento e de promoção da saúde mental de alunos e profissionais da educação, realizar mais diagnósticos sobre os efeitos da pandemia nas desigualdades de aprendizagem e as taxas de abandono e evasão escolar, além de monitorar o impacto dos programas que visam mitigar os efeitos da pandemia.
Relatórios internacionais também indicam que a tarefa de recuperar a aprendizagem, no contexto atual da pandemia, é possível se for colocado em cena um plano estruturado e intencional, somado a aportes adicionais de recursos e de foco na priorização de programas com boas evidências de sua eficácia. Esse planejamento deve ter como centro a promoção da equidade, visando reduzir as desigualdades ampliadas pela pandemia com ações que explícita e intencionalmente garantam as mesmas condições no acesso à escola, na permanência e na aprendizagem de todos os estudantes. Embora não exista receita pronta para seguir, algumas sugestões podem servir de inspiração aos gestores brasileiros, para que desenvolvam suas próprias políticas considerando o contexto local.
O documento “Reimaginar e reconstruir: Volta às aulas com a equidade no centro”, publicado, originalmente, pelo Policy Analysis for California Education (PACE), propõe cinco eixos de recomendações que podem contribuir para o desenvolvimento das políticas educacionais brasileiras. O primeiro deles pressupõe colocar os relacionamentos entre a comunidade escolar no centro, o que pode ser feito por meio de visitas domiciliares em casos específicos, reuniões individualizadas com responsáveis e alocação de tempo para fortalecimento de vínculos do estudante com a escola. O segundo pilar diz sobre atender às crianças de forma integral, identificando suas necessidades individuais, sejam socioemocionais ou educacionais; por meio de atividades diagnósticas, desenvolvimento de planos de estudos e valorização de interesses de cada uma delas. O terceiro tem a ver com fortalecer os educadores e as suas parcerias, com formação e apoio aos profissionais, estabelecendo e fortalecendo programas de tutoria pedagógica. O quarto pilar está relacionado a tornar o ensino e a aprendizagem pertinentes e rigorosos, com altas expectativas para todos, revisão e priorização de componentes curriculares e ações específicas que promovam a equidade racial. Finalmente, o quinto pilar trata de empoderar as equipes de educadores para que reinventem e reconstruam os sistemas, desenvolvendo visão de escolas comunitárias e estimulando a prática da gestão democrática.
É fundamental olhar para os últimos quatro anos para que possamos aprender com eles, e pensar no que precisa ser feito para recuperar a educação no Brasil. As evidências disponíveis apontam caminhos para que possamos traçar um futuro melhor. O MEC deve assumir novamente seu papel de coordenação na elaboração e implementação de um plano nacional de educação, que possa guiar e apoiar as ações de gestores públicos estaduais e municipais. Além de recursos financeiros e muita articulação com os atores envolvidos, faz-se necessário incorporar o combate às desigualdades educacionais como centro da política educacional.
* Antonio Bara Bresolin é diretor executivo da associação Dados para Um Debate Democrático na Educação (D3e).
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