Merece atenção a entevista do ex-presidente Michel Temer ao UOL. Independentemente de se concordar ou não com o que diz Temer na entrevista, ela é importantíssima para entendermos alguns dos aspectos fundamentais que levaram o país a se meter na sua atual encalacrada. O processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que levou Temer a assumir o poder, rompeu com algo que é essencial a qualquer democracia: a capacidade de diálogo. O diálogo é o oxigênio da democracia. E, como deixamos de dialogar e passamos a nos ofender reciprocamente, estamos nos sufocando a cada dia.
Para Temer, “não houve golpe” no processo de deposição de Dilma. Por outro lado, ele afirma que, na sua avaliação, Dilma é “honestíssima”. Bem, uma pessoa “honestíssima” não comete crime. Cometer crime é uma desonestidade. O processo de impeachment é o julgamento de um crime, o crime de responsabilidade. Se o Congresso estava certo na conclusão do seu julgamento, Dilma não é “honestíssima”. Se ela é “honestíssima”, o Congresso estava errado.
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Na verdade, o Congresso valeu-se da ferramenta do impeachment de maneira errada. Temer narra na entrevista que os problemas de Dilma eram de natureza política. Sem diálogo com o Congresso, viu seu governo inviabilizar-se. As pessoas foram às ruas e pressionaram o Congresso. Dilma caiu.
Talvez, então, devesse caber ao Congresso imaginar a criação de um outro instrumento pelo qual fosse possível interromper mandatos por falta de viabilidade política. Porque o impeachment não é esse instrumento. O impeachment une avaliação política e julgamento. Ignorou-se o julgamento e ficou-se somente na avaliação política.
O fato é que a partir da utilização eminentemente política – ou, pelo menos, predominantemente política – do processo de impeachment contra Dilma, iniciou-se uma avalanche que veio a dar neste momento de terra arrasada em que estamos vivendo. No primeiro impeachment que houve no país, o presidente, Fernando Collor, era um personagem meio marginal da política, eleito a partir de um partido inventado, sem base real na sociedade. Dilma era do PT, um dos mais enraizados, senão o mais enraizado, partido político na sociedade brasileiro. O processo deixou sequelas.
Que se agravaram com a evolução da Operação Lava Jato. Que foi perdendo o seu caráter técnico para se tornar mais e mais política diante da vaidade e da cobiça de pegar a sua maior cabeça, Luiz Inácio Lula da Silva. Operação que se desmoralizou no momento em que a Justiça entendeu que a motivação política se tornara maior que a técnica. As condenações de Lula foram revistas e ele hoje é o favorito para novamente se tornar presidente.
O problema é que Lula herdará, caso venha a ser eleito, esse país revolto pelas consequências de todo esse processo. A manutenção do país revolto só interessa a um personagem da atual política brasileira, o presidente Jair Bolsonaro, que adora atiçar essa revolta, sabe-se lá com que intenções.
Como pacificar o país é o ponto central da entrevista de Temer. Porque hoje é o ponto central da política brasileira.
Os senadores do MDB que apoiam Lula foram à procura de Temer para tentar convencê-lo a aderir à ideia de adiar a convenção do partido e o lançamento da candidatura de Simone Tebet. Num gesto inicial de apoio a Lula. Temer argumenta que não tem como vir a apoiar Lula se Lula a todo momento fala que Temer na Presidência foi consequência de um golpe e promete que irá desfazer pontos do governo de Temer, especialmente a reforma trabalhista.
Lula, na verdade, hoje claramente oscila entre a necessidade de ampliar diálogos – e seu vice, Geraldo Alckmin, é evidência clara disso – e as respostas que precisa dar à sua base e a ele mesmo – Lula foi condenado e preso, e sua candidatura agora é claramente uma trajetória de redenção.
Temer diz que se passou a tratar adversários como inimigos. Mas quem primeiro passou a tratar adversários como inimigos? Diante da extensão do caminho tortuoso que o país tomou a partir do momento em que se valeu do impeachment da maneira errada, o retorno será muito complicado. Há muitos feridos pelo caminho. E as feridas ainda estão longe de cicatrizar.
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