Em 2015, em uma palestra em São Paulo promovida pela Goldman Sachs, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso desestimulava a evolução do processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff.
“Impeachment é como bomba atômica. Existe para não ser usado”, foi a frase de Fernando Henrique. Bem, todos nós sabemos que um ano depois a bomba atômica – ou o impeachment – foi usada contra Dilma Rousseff. O processo foi aprovado, e Dilma foi deposta.
Foi a segunda detonação da bomba atômica no processo político brasileiro após a redemocratização. De 1989 para cá, tirando o atual, tivemos quatro presidentes eleitos e explodimos dois com a bomba atômica. Não parece, talvez, exagero dizer que abusamos da ferramenta.
Na primeira vez, com Fernando Collor, poderíamos até concluir que o impeachment teve efeito próximo aos dos versos da canção “A Paz”, de Gilberto Gil e João Donato, que diz, com relação à “bomba sobre o Japão” que ela fez nascer “um Japão da paz”. O primeiro processo de impeachment, de fato, pareceu amadurecer o processo democrático brasileiro. Os partidos políticos uniram-se em torno de Itamar Franco para conferir estabilidade a ele. Da estabilidade política, nasceu a estabilidade econômica com o Plano Real. Vivemos anos de relativa tranquilidade nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (relativa porque houve terremotos como a compra de votos para aprovar a reeleição com FHC e o mensalão com Lula).
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Mas aí tivemos Dilma e o seu conturbadíssimo segundo mandato. As maquinações de Eduardo Cunha na presidência da Câmara que resultaram na criação do Centrão hoje sob o comando de Arthur Lira. E a detonação da segunda bomba atômica. Que, aí, mostrou que há muito mais tragédia do que paz na utilização de uma bomba. As duas lançadas sobre o Japão resultaram na morte de centenas de milhares de pessoas. A bomba lançada sobre Dilma desorganizou a democracia brasileira e resultou na eleição de Jair Bolsonaro.
São vários os juristas que consideraram que, na segunda-feira (18), na exposição para os embaixadores, Bolsonaro cometeu não um, mas vários crimes de responsabilidade. Alguns, ele já tinha cometido antes. Ele utilizou-se do espaço público e da sua condição de presidente da República para promover um evento de caráter eleitoral. Já que a contestação do processo eleitoral brasileiro é algo feito unicamente por ele e que só traz dividendos políticos a ele. Com transmissão pela emissora estatal de TV. Temos aí um caso de abuso de poder.
Ali, ele repetiu uma série de falsidades que já tinham sido amplamente desmentidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Propagação de mentiras com claro propósito político. Crime de responsabilidade.
E atacou a honra de três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que estarão na condução do processo eleitoral: Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Com afirmações falsas ou, no mínimo, levianas. Algo que certamente atenta ao decoro do cargo que ocupa.
Há mais de cem pedidos de impeachment de Bolsonaro guardados na gaveta de Arthur Lira na Câmara. Que não serão analisados. A menos de três meses das eleições, nem poderiam mais ser analisados e julgados em tempo. De dentro da gaveta, sabemos que eles não sairão.
Por duas vezes, usamos a bomba atômica mencionada por Fernando Henrique. Na primeira, aparentemente deu muito certo. Na segunda, talvez tenha dado muito errado.
O fato é que, hoje, as duas detonações transformaram o impeachment. De bomba atômica, virou um traque. Estalinho. Daqueles que Bolsonaro, fosse criança, poderia jogar nos pés dos adultos numa festa de São João.
Depois do que houve na segunda-feira, talvez nunca mais possamos detonar outra vez nossa bomba atômica constitucional. A democracia brasileira e suas instituições já se enfraqueceu. Esse legado o atual governo já deixou para as próximas gerações.
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