Se as eleições fossem um campeonato de futebol – e, no fundo, são mesmo competições meio parecidas -, a entrevista para o Jornal Nacional é, sem dúvida, uma das partidas mais importantes do certame. É meio como quando acaba na Copa do Mundo a fase de grupos. Com a diferença de que aqui ainda não é mata-mata: no caso de alguns ainda dá para empatar; no caso de outros, não.
Na etapa JN deste campeonato, quem não podia perder era Jair Bolsonaro na sua tentativa de reeleição. De acordo com o último Datafolha, Bolsonaro está 15 pontos percentuais atrás de Lula que, por essa pesquisa, com 47% das intenções de voto, teria mesmo chances de vencer no primeiro turno. Ou seja, Bolsonaro precisa neste pouco mais de um mês tirar essa diferença. Portanto, ele não poderia desperdiçar uma oportunidade como a entrevista ao Jornal Nacional para terminar a partida empatado.
Ou mesmo vencendo por um placar apertado. Como ele precisa reverter esses votos sobre Lula, se Bolsonaro empatou na rodada contra o time de William Bonner e Renata Vasconcellos, então ele perdeu.
Já Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que vai ser entrevistado nesta quinta-feira (25), poderá comemorar caso o resultado da contenda com Bonner e Renata seja empate. Até mesmo uma derrota por um placar baixo pode a essa altura vir a ser uma vitória. Lula tem uma margem ainda confortável na disputa. Ele só não pode tomar uma goleada.
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Muito provavelmente o time de Bonner e Renata trabalhará para garantir um quadro de isonomia nas entrevistas. Deverá ser tão duro com Lula quanto foi com Bolsonaro, nem mais nem menos. Pesa eternamente contra a TV Globo a história do debate entre Lula e Fernando Collor em 1989, quando fez uma edição do que houve no Jornal Nacional que beneficiava Collor e prejudicava Lula. Nunca mais a TV Globo quer correr o risco de ser cobrada por outro comportamento semelhante.
Mas a verdade é que, até agora, o tom adotado por Bonner e Renata nas entrevistas tem sido menos agressivo do que em 2018. Se Bolsonaro foi capaz de manter a calma na segunda-feira (22), Lula, mais experiente nesse tipo de situação, também deverá ser capaz do mesmo.
PublicidadeOutro que podia empatar dentro da sua estratégia era Ciro Gomes, entrevistado na terça-feira (23). E, nesse sentido, ele, sem dúvida, foi muito bem-sucedido. Nesta mesma última pesquisa do Datafolha, Ciro aparece com 7% das intenções de voto. É evidente que, se ele quer ter alguma chance nestas eleições, ele precisa ter um desempenho imensamente melhor que o atual. Ele está 25 pontos percentuais atrás de Bolsonaro. Impressionantes 40 pontos percentuais atrás de Lula.
Mas antes de pensar em acelerar, Ciro precisa evitar perder. Hoje, seus eleitores têm sido muito pressionados a largá-lo para dar um voto útil a Lula no primeiro turno. O argumento que tem sido utilizado é que, se Lula obtiver esses votos, ele liquida a fatura de um campeonato cuja taça é a manutenção da democracia, ameaçada se o vencedor for Bolsonaro.
No fundo, Ciro tem um dificultador diante desse argumento. Ele não é muito diferente do argumento que o próprio Ciro usava em 2018, quando ele sacava as pesquisas eleitorais que mostravam que ele poderia ter mais chances de vencer Bolsonaro no segundo turno que Fernando Haddad, do PT. Agora, as pesquisas mostram que Lula pode encerrar o jogo logo na primeira volta.
Portanto, a primeira tarefa de Ciro era garantir que após a rodada do JN, o eleitor de esquerda e democrata que está com ele assim continuasse. E, aparentemente, seu desempenho lhe garantiu isso.
Fora da disputa concentrada entre Lula e Bolsonaro, o JN era para Ciro o palco para que ele pudesse apresentar a sua plataforma de propostas para o país. Uma proposta que, de fato, parece mais detalhada e formulada que a de seus adversários. E Ciro teve a chance de poder explicar isso. Ainda foi capaz de fazer propaganda do livro e do site em que detalha tais propostas.
Ciro aposta na ideia de que a tragédia brasileira é fruto de uma sucessão de decepções políticas com quadros sucessivos de corrupção. Provocadas pela manutenção sempre do mesmo modelo que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso batizou de “presidencialismo de coalizão”. Uma coalizão que não é amparada em um programa de governo comum, mas na divisão de cargos, verbas e outras benesses para que os aliados se locupletem. Ele disse ao eleitor que tem uma solução para quebrar isso.
Ele de fato tem? Seu temperamento mercurial lhe garante habilidade para tanto? É seguro mesmo confiar em alguém que tem tanta certeza do que está dizendo? O problema de quem tem tanta certeza é que geralmente não tem um plano B: se estiver errado, talvez não tenha capacidade de correção de rumo.
De qualquer modo, o eleitor que aposta em Ciro não deve ter saído da entrevista ao JN decepcionado. E, nessa etapa do jogo, garantir esse empate não é um mau resultado para ele.
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