O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução, nesta terça-feira (10), que obriga os cartórios a reconhecerem as mortes provocadas pela ditadura militar. Eles terão de retificar as certidões para destacar que a causa real da morte não foi natural, e sim, causada pelo Estado brasileiro. A medida vale para os 434 casos de mortes e desaparecimentos reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Até o momento, apenas dez casos foram retificados administrativamente.
“Esse é um acerto de contas legítimo com o passado”, declarou o presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso. A decisão se dá no dia em que se comemoram os 76 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entre as vítimas identificadas pela ditadura, 210 nunca tiveram seus restos mortais encontrados e são consideradas desaparecidas políticas.
Com a nova regulamentação, a causa mortis dessas pessoas passará a incluir a informação de “morte não natural, violenta, causada pelo Estado a desaparecido no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política no regime ditatorial instaurado em 1964”.
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O Ato Normativo 000549697.2024.2.00.0000, relatado pelo ministro Barroso, foi aprovado por unanimidade pelo Plenário do CNJ. A iniciativa, proposta pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), foi destacada pelo ministro como simbolicamente significativa.
“Desde 1964 vivemos um golpe de Estado no Brasil. Alguns questionam o termo ‘golpe’, mas essa é a designação correta na ciência política e na teoria constitucional para a destituição do presidente da República através de um mecanismo que não está previsto na Constituição”, afirmou Barroso. Ele ressaltou que a medida ajuda a aliviar a dor de sobreviventes e das famílias que sofreram com a perseguição política resultante do golpe.
O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, também enfatizou que a iniciativa representa um importante resgate da verdade sobre o que ocorreu no país.
O assento de óbito é lavrado pelo oficial do registro civil após a declaração do falecimento e serve para comprovar a morte de uma pessoa. Segundo o texto aprovado, as lavraturas e correções dos assentos de óbito referentes ao período da ditadura serão baseadas nas informações do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que estão organizadas na declaração da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, ressaltou a relevância da decisão, que reaviva a importância da Comissão da Verdade, criada há 13 anos para investigar as violações de direitos humanos da época. “Através do direito das famílias durante a ditadura militar, estamos dando um passo rumo à cura, reafirmando a democracia e destacando que todos têm direito à verdade, devendo ser defendidas todas as instituições democráticas”, declarou.
O ex-deputado federal Nilmário Miranda, idealizador e proponente da criação da Comissão da Verdade, afirmou que hoje é um dia histórico e celebrou a retomada de uma “pauta de memória, verdade, reparação e justiça”.
A presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, procuradora da República Eugênia Gonzaga, lembrou que participou da identificação de corpos de vítimas da ditadura e que as retificações vêm sendo realizadas desde 2017, de forma administrativa.
Entretanto, esses documentos não continham a data e a causa da morte, apenas uma menção à Lei 9.140/1995, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas em decorrência de sua participação ou acusação de participação em atividades políticas entre 2 de setembro de 1961 e 5 de outubro de 1988. “Esse procedimento sempre foi muito ofensivo. Ele solucionava questões burocráticas, mas não restaurava a verdade”, concluiu.
Mais de 300 pessoas, entre militares, agentes do Estado e até mesmo ex-presidentes da República, foram responsabilizadas pelas ações ocorridas no período da ditadura militar. O relatório da Comissão Nacional da Verdade diz ainda que as violações registradas e comprovadas foram resultantes “de ação generalizada e sistemática do Estado brasileiro” e que a repressão ocorrida durante a ditadura foi usada como política de Estado “concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República e dos ministérios militares”. (Com informações do CNJ)
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