Vinicius do Valle *
Depois de semanas de discussão e especulação sobre a possibilidade de Lula lançar uma carta para evangélicos, saiu ontem, no dia em que se comemora Nossa Senhora Aparecida, um documento da campanha petista, assinado por Lula, destinado aos religiosos do Brasil. O documento sai após uma versão anterior, destinada especificamente aos evangélicos, ter sido vazada para a imprensa – revelando a dificuldade da campanha petista em lidar com o tema de forma interna.
Para muitos do comitê eleitoral petista, a campanha de Lula deveria focar na agenda econômica e social, as quais Lula teria muito a mostrar, ao invés de alimentar a agenda moral e religiosa. No entanto, a enxurrada de fake news de conteúdo religioso e o alívio relativo nas condições de vida de parcela da população, gerado pelo auxílio Brasil turbinado e redução do preço da gasolina – feitos sob medida para a campanha bolsonarista e com prazo de duração limitado — tornaram a agenda moral inescapável.
A versão final do documento parece, nesse sentido, ter ficado no “meio termo” entre a posição de não entrar no embate religioso e a de um documento voltado especificamente ao segmento evangélico, com compromissos específicos e fechados. Na carta, Lula afirma o respeito ao direito à religião e à liberdade religiosa. Reconhece o papel das religiões na sociedade brasileira, e se compromete a respeitar a Constituição, todas as religiões, os templos e locais de culto, públicos ou privados. Cita ainda o evangelho de João, capítulo 10 e versículo 10, manifestando o desejo de construir uma sociedade em “que todos tenham vida em abundância”.
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É uma carta escrita a partir da posição de um católico, mas com o conteúdo ecumênico, em que, basicamente se busca desmentir as fake news de que Lula não respeita as religiões, que fecharia templos, perseguiria religiosos, ou dificultaria a vida dos cristãos. É, simplesmente, o que um presidente que segue a Constituição tem o dever de fazer. Nos dias de hoje, entretanto, parece ser necessário dizer o óbvio. Se esse óbvio encontrará ouvidos, ainda é uma dúvida.
Veja a íntegra da carta de Lula:
Publicidade“RELIGIÃO: UM DIREITO SAGRADO E FUNDAMENTAL
Neste dia 12 de outubro de 2022, em que celebramos o dia da Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, quero me dirigir ao povo brasileiro para afirmar que a religião é um direito sagrado e fundamental e que deve ser respeitado por todas e todos nós.
Todas as religiões exercem um papel essencial na formação do ser humano. Portanto, as igrejas são instituições de fundamental importância na constituição de uma sociedade e precisam ser valorizadas, pois além de serem espaços sagrados de celebração e relação com Deus, ajudam a promover a paz, a justiça e a fraternidade.
Desde a primeira Constituição Brasileira de 1824, temos assegurado o direito à liberdade religiosa no Brasil. Esse direito se tornou pleno com a Constituição Federal de 1988, que em seu Artigo 5º inciso VI estabelece: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”
Portanto, nossa Constituição garante que todos/as os/as brasileiros/as e estrangeiros/as que moram no Brasil são livres para escolher sua religião, praticar e professar sua crença e fé, seja num ambiente doméstico ou em um lugar público. Em nosso governo não será diferente. Todas as religiões e templos religiosos serão respeitados e tratados com dignidade, como já fizemos em nossos governos anteriores.
Na condição de Católico que sou, neste dia tão especial para o Brasil, quero pedir, por intercessão de Nossa Senhora Aparecida, que Deus nos abençoe, para que possamos construir uma nação democrática, justa, independente e soberana, onde todos e todas “tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10).
12 de outubro de 2022
Luiz Inácio Lula da Silva”.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
* Vinicius do Valle é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico, e atua na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e em outras instituições, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos, além de realizar pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).
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