Relatório divulgado nesta sexta-feira (13) pelo Ministério das Mulheres mostra aumento expressivo na divulgação de conteúdo misógino (ou seja, ódio ou aversão a mulheres) no YouTube. Ao propagar a violência e o preconceito, esses canais lucram com o material divulgado. Resultado de uma parceria entre o ministério, o NetLab-UFRJ e o Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, o levantamento analisou 76 mil vídeos de 7.800 canais brasileiros.
Foram identificados 137 canais misóginos, que acumulam 3,9 bilhões de visualizações e mais de 105 mil vídeos. Em média, cada canal tem 152 mil inscritos. Esses canais fomentam a ideia de uma conspiração social para a dominação feminina, incitando resistência e revolta contra as mulheres.
Dinheiro
Os pesquisadores identificaram estratégias discursivas que promovem ódio e violência contra as mulheres, muitas vezes disfarçadas como uma promoção da masculinidade. De acordo com a pesquisa, cerca de 80% dos canais misóginos utilizam estratégias financeiras, como anúncios, doações durante transmissões ao vivo, comercialização de produtos e serviços, além de crowdfunding. Alguns oferecem “consultorias individuais” por até R$ 1.000.
Diz trecho do relatório:
“Nos últimos anos, houve um crescimento expressivo da ‘machosfera’ e do volume de conteúdos potencialmente misóginos no YouTube. Isso é particularmente evidente a partir de 2022, quando ocorre um aumento significativo de vídeos com narrativas masculinistas. Predominam conteúdos que disseminam teorias conspiratórias prejudiciais à igualdade de gênero e comportamentos nocivos às mulheres disfarçados de estratégias de valorização dos homens”.
O relatório categoriza diversas manifestações da misoginia, incluindo:
- Domínio e submissão: 89 canais pregam que as mulheres devem ter papéis secundários em suas famílias e relacionamentos, considerando qualquer desvio como uma ameaça.
- Ataques a feministas: mais da metade dos canais misóginos critica as feministas, questionando os direitos das mulheres e negando a existência do patriarcado.
- Desumanização: as mulheres são frequentemente objetificadas, sendo avaliadas exclusivamente pela aparência física e descartadas se não se enquadrarem em padrões específicos de beleza e idade, com imagens degradantes sendo comuns.
- “Dominação feminina”: mais de 33 mil títulos de vídeos analisados exploram temas relacionados ao “desprezo às mulheres e estímulo à insurgência masculina” contra uma suposta dominação feminina. Os criadores de conteúdo reforçam ideais masculinistas com termos ofensivos e adotam um vocabulário próprio para construir comunidades e escapar do monitoramento de discurso de ódio do YouTube.
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52% dos canais misóginos possuem ao menos um vídeo com anúncios.
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Oito canais com conteúdo misógino que receberam Super Chat fizeram 257 transmissões e somaram R$68 mil em arrecadações.
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Links para sites como plataformas de financiamento coletivo ou links de afiliados estão presentes em 28% dos canais misóginos.
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Alguns influenciadores chegam a cobrar até R$1.000 por consultorias individuais de desenvolvimento pessoal masculino, que, em muitos dos casos, partem de técnicas de manipulação, humilhação, desumanização e violência psicológica.
O estudo não conseguiu estimar o quanto de dinheiro é movimentado com o discurso misógino no YouTube. “A falta de transparência sobre as formas de arrecadação dos canais e sobre o sistema de anúncios da plataforma impedem uma compreensão aprofundada dos valores mobilizados nessas transações. Não se sabe, por exemplo, quanto um canal arrecadou por meio de anúncios em vídeos ou quais marcas foram anunciadas programaticamente nos conteúdos.”
Feminicídio
“A meta de feminicídio zero, que é nossa prioridade, somente será alcançada se pudermos compreender e conscientizar a população sobre o que é a misoginia e as suas consequências, e não há como alcançar isso, atualmente, sem olhar para a internet. Por isso, esta iniciativa é fundamental, já que nos ajuda a mapear a violência contra as mulheres e conhecer os discursos que incentivam comportamentos violentos online”, afirmou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.
De 2021 a 2024, houve um aumento significativo na quantidade de vídeos catalogados pelo estudo. No mesmo intervalo, o Brasil também enfrentou um crescimento no número de feminicídios: em 2021, foram registradas 1.347 mortes de mulheres devido à condição de gênero, enquanto em 2023 esse número subiu para 1.463. Além disso, os casos de violência doméstica e familiar cresceram quase 10% entre 2022 e 2023.
O levantamento mostra que criadores de conteúdo empregam diversas táticas para eludir a moderação do YouTube, utilizando vocabulário específico, sarcasmo, ironia e informações distorcidas para disseminar a misoginia de maneira indireta. “A maior parte dos canais da machosfera reúne conteúdos da subcultura Red Pill, mas há também vídeos de influenciadores autoidentificados como MGTOW (sigla em inglês para ‘Homens seguindo seu próprio caminho’) e Pick Up Artists (‘artistas da pegação’ ou da conquista). Os celibatários involuntários (Incel) aparecem em menor número”, ressalta a pesquisa.
Moderação
De acordo com o relatório, a pesquisa revela que é urgente a adoção de ações para enfrentar a propagação da misoginia no YouTube. Para os pesquisadores, as plataformas digitais devem fortalecer seus mecanismos de moderação, enquanto os órgãos governamentais precisam implementar estratégias de conscientização sobre os riscos deste tipo de conteúdo. A pesquisa ressalta a importância de reconhecer as variadas expressões de misoginia online e a urgência em estabelecer políticas eficazes para proteger as mulheres e combater a violência de gênero nas redes sociais.
“Sem a devida regulamentação e fiscalização das plataformas digitais, a misoginia vem se tornando mais do que um tipo de discurso perigoso, mas também um ‘produto’ lucrativo, muitas vezes vendido como desenvolvimento masculino”, destaca Marie Santini, fundadora e coordenadora do NetLab.
O Congresso em Foco procurou o YouTube para comentar as conclusões do relatório. O texto será atualizado caso haja resposta.
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