Andresa Rodrigues *
Na semana do dia 25 de janeiro, data que marca os cinco anos após a tragédia-crime do rompimento da barragem da Vale no Córrego do Feijão, associações e movimentos sociais de Brumadinho, Maceió, Mariana e Santa Maria compartilharam suas experiências num fórum que pode ser chamado de “pacto pró-Justiça”.
A indignação que une estas comunidades ultrapassa as distâncias e as diferenças geográficas. Tudo o que aconteceu poderia ter sido evitado. Não estamos exatamente diante de desastres ou fatalidades. Há intervenção humana e há autores conhecidos por trás das trágicas histórias que abalaram o país nos últimos 10 anos.
Os personagens em Brumadinho (272 mortes), Mariana (19 mortes) e Maceió (60 mil pessoas desalojadas de suas casas) são executivos de empresas do porte da Vale, da empresa alemã Tüv Süd, da anglo-australiana BHP Billiton e da Braskem. As próprias empresas, cuja retórica de responsabilidade recebe prêmios e certificações (hoje, certamente sem credibilidade), enfrentam a realidade dos tribunais, das multas, denúncias e desconfiança, mesmo que tardia, de investidores e reguladores.
No caso da boate Kiss, em Santa Maria, os réus pela morte de 242 jovens são dois empresários do ramo de entretenimento, um vocalista e um produtor musical. O incêndio foi fruto também da leniência do Poder Público que autorizou o funcionamento do estabelecimento comercial e não foi diligente no plano de proteção contra incêndios.
Leia também
De fato, a deficiência do Estado em proteger seus cidadãos e a negligência do setor privado são fatores recorrentes nestas tragédias. A população, indefesa e inconformada, constata a tolerância do Poder Público em relação aos agentes que podem trazer danos à sociedade. É inaceitável, em qualquer atividade, não zelar pela vida dos outros e não tomar os devidos cuidados. E é inadmissível que as estruturas do Estado sejam falhas e ineficientes na proteção da coletividade.
PublicidadeInfelizmente, a revolta diante do comportamento covarde, do setor privado e do Poder Público, não é suficiente para ressignificar tragédias familiares, humanitárias e ambientais deste porte.
Precisamos da esperança e de transformações. São bem-vindas as leis que nascem destas tragédias. São fundamentais, precisam ser aperfeiçoadas e geram ânimo e esperança. No entanto, exigem vigilância permanente, visto que as intenções iniciais sofrem pressões para serem flexibilizadas, ou aplicadas de maneira frouxa, como é o caso da “Lei Mar de Lama Nunca Mais”, surgida após Brumadinho e Mariana.
No caso da mineração, ao alertar sobre a covardia do Estado, podemos enumerar uma série de órgãos federais: Agência Nacional de Mineração, Controladoria Geral da União, Comissão de Valores Mobiliários, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Trabalho, Tribunal de Contas da União, além de outras entidades públicas na esfera dos estados e dos municípios. Em qualquer nível, a administração pública precisa priorizar os fatores de riscos humanitário, social e ambiental e não esquecer terríveis acontecimentos que vão ficando no tempo – e sem Justiça.
Santa Maria aguarda justiça há cerca de dez anos. Mariana vive espera de mais de 8 anos, Maceió há 6 anos e Brumadinho contabiliza 5 anos sem justiça. Cada familiar, cada atingido, sabe o que é ficar um dia a mais sem Justiça, afinal, justiça tardia significa uma justiça que tem defeitos graves para corrigir. Que estes eventos dramáticos da nossa história sirvam de inspiração.
Portanto, temos esperança na responsabilidade do Poder Judiciário em fazer justiça. A pedagogia do julgamento e das penas servirá para apontar as falhas e as devidas responsabilizações. É uma forma de reparar e corrigir. Por isso, esperamos muito da Justiça. O papel do sistema de justiça brasileiro será decisivo para escrever o capítulo “nunca mais aconteça”, “jamais possa se repetir”, “basta”.
Não temos intimidade e convívio com ministros e desembargadores. Mas sabemos que a Justiça não pertence nem aos advogados e nem aos juízes. A justiça deve pertencer ao povo, sobretudo aqueles que experimentaram perdas irreparáveis porque o direito à vida foi violado.
Sabemos que a Justiça não é infalível. Mas ela não pode errar nestes casos tão emblemáticos para o Brasil. O jurista Dalmo Dallari escreveu que “o direito usado para dominação e injustiça é um direito ilegítimo, um falso direito”, nesses casos, “é uma simples aparência de direito, escondendo egoísmo e desumanidade”.
Lutaremos, todos dias, para que a decisão final, ao respeitar direitos, se baseie nos atos cometidos pelos réus. Que os julgadores simplesmente fiquem atentos às falhas, omissões, inércia e condescendência com os fatores de risco. Riscos anunciados, identificados, conhecidos. E que produziram morte e destruição.
Nossa esperança é de que, ao decidir por último, o Judiciário seja o divisor de águas ao inibir, no amanhã, as terríveis consequências de atos criminosos. Somos famílias angustiadas à espera de um veredicto que restabeleça a verdade e faça justiça. Somente uma decisão com olhar pedagógico – para que jamais o descaso e a incúria se repitam – poderá corrigir o rumo das nossas vidas e da nossa história coletiva.
O que vivencio todos os dias é semelhante aos sentimentos daqueles que passaram pela realidade inconsolável do desamparo. Perdi meu único filho, Bruno Rocha Rodrigues, aos 26 anos de idade. Ele era engenheiro e trabalhava na Vale, no setor administrativo. Se a decisão final do processo for baseada na justiça, poderei respirar aliviada, em paz.
Mas, ainda assim, com a dor irreparável de quem perdeu o que ama. Nada trará nossos entes queridos de volta, mas a justiça acalentará nossos corações.
* Andresa Rodrigues é professora, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum).
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.