Há exatos cem anos jovens da elite paulistana decidiram praticar uma ousadia – rever os paradigmas predominantemente naturalistas e parnasianos da sociedade do século 19. Dentre os pontos altos da semana se destaca o poema de Manoel Bandeira declamado por Ronald de Carvalho intitulado “Os Sapos”.
O poema foi recebido com vaias pela plateia e se transformou em um dos maiores ícones do movimento revolucionário que proliferou em todo o Brasil. A despeito de Anita Malfatti ter sido a precursora do movimento com a crítica injustiça realizada por Monteiro Lobato que rotulou a sua arte como anormal, a gênese do movimento é predominantemente masculina e liderada por jovens da elite paulistana.
Dentro desse espírito de reflexão sobre os padrões estéticos de nossa sociedade foi declamado por esta subscritora o poema “As Sapas”, apresentado manifesto pelo professor Davi Lago que, dentre outros objetivos, inclui a questão feminina como um dos temas centrais desse século, Gabriela Araújo, uma das líderes do Manifesto Brasil Mulheres apresentou pontos prioritários na obtenção da igualdade plena entre homens e mulheres. Lembrou que o “Manifesto Antropofágico” de Oswald de Andrade já clamava pelo fim do patriarcado, embora estejamos distantes dessa realidade. Preta Ferreira apresentou a composição “Minha Carne” de sua autoria marcada pela dor e a revitimização de mulheres negras. Ao lado desse evento histórico foram apresentadas obras das artistas Antonietta Tordino, Dóris Geraldi, Fernanda Fernandes, Gaby Alves, Leila Lagonegro, Malu Mesquita, Patricia Lopes, Rose Rossetti, Silvana LaCreta Ravena, Vera Pimenta, Zetti Neuhaus e Zina Kossoy.
Leia também
Durante o evento, algumas pessoas receberam homenagens por seu trabalho e apoio à arte e à cultura no Brasil: a maioria delas, mulheres, como a artista plástica e primeira-dama do Estado de São Paulo, Bia Doria; a filósofa e escritora Djamila Ribeiro; a colecionadora de artes e fundadora da Esfera Mulheres, Ana Lúcia Suplicy Funaro Camargo; a primeira-dama do município de São Paulo, Regina Carnovale Nunes; a secretária municipal de Cultura e embaixadora da Pan-African Council, Aline Torres; e a escritora e multi-artista Preta Ferreira. Preta Ferreira, aliás, fechou o evento de forma muito simbólica, com o musicista Emilio Moreira no violão, ao cantar, para uma plateia emocionada, a música de sua autoria Minha Carne, que remete à escravidão, ao racismo, e aos estigmas carregados especialmente pelas mulheres negras.
Dentre os 250 convidados presentes, destaque para autoridades, como o secretário estadual de Justiça e Cidadania, Fernando José da Costa, o deputado estadual Emidio de Souza, o cônsul-geral da Itália, Domenico Fornara, acompanhado da vice-cônsul Livia Satullo; a presidente do sindicato de delegados da polícia civil do Estado de SP, Raquel Gallinati; a presidente do sindicato da Polícia Federal do estado de São Paulo, Susanna do Val; e a vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, desembargadora Consuelo Yoshida. Estavam também presentes a chef Bela Gil; a socióloga Rosangela Silva, esposa do ex-presidente Lula; Cláudia Angélica Martinez, do She Invest; e o empresário João Camargo, presidente da Esfera Brasil.
Com Gabriela Araújo, pretendemos expandir os manifestos pela igualdade de gênero de combate à violência contra as mulheres, e promover seminários, encontros e intervenções com a temática, inclusive estando previsto para o mês de março a realização do I Seminário Internacional de Igualdade de Gênero, promovido pelo Grupo de Estudos de Gênero das Promotoras e Promotores do Ministério Público e a Diretoria Acadêmica da APMP.
PublicidadeO poema comemorativo apresentado por Davi Lago pontua: “A Semana é dialógica. Não procura impor, mas discutir. A Semana é feminina, é Anita Malfatti, é Guiomar Novaes, é Zina Aita. A Semana é criativa. É o lugar do olhar, do ver e do sentir. A Semana é antropofágica. Não tem medo de deglutir tudo de bom” (…).
O poema declamado durante o evento de abertura das comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna surge como uma provocação à inclusão das pautas do “outro sexo” e constitui uma paráfrase ao poema de Manoel Bandeira:
“AS SAPAS
Celeste Leite, 2022
Caminhando graciosa,
Sai da névoa,
Em silêncio, a sapa-andarilha.
A luz a resseca.
Dores profundas a cercam,
Recorda o sapo-boi:
– ‘Você foi porque quis!’
– ‘Não fui”- ‘Foi’- ‘Não fui’.
A sapa-tanoeira,
Condoída com o veneno,
Suspira: ‘Não é paranoia.
– Nem mistificação’.
Vede como Pasárgada,
Onde comandam os sapos-cururu!
Que arte! E nunca rimam
Com o outro sexo.
A nossa trova é boa,
Separa o joio.
Faz rimas com
Redes de apoio.
Vai por noventa anos
Que nos foi dada a norma:
Reduziu sem danos
A voluntariedade ao voto.
Clame a saparia
Anuncie o certo:
– ‘Nada de espinhos ou veneno
– A nossa melodia é rap’.
Retruca o sapo-cururu,
Da beira do rio….:
– ‘Nada de rupturas ou protestos
– ‘A nova regra já foi dada’.
Clama em acinte,
O sapo-tanoeiro:
– ‘O comando da Nação é Lavor de joalheiro.
– ‘Ou bem de hierarquia’.
Tudo quanto a define,
Tudo quanto é vário,
Obedece ao princípio,
Desde o início.
Outras, sapas-pipas,
Falam em protesto,
(um mal que todos conhecem)
– ‘Não define!’ – ‘Define!’- ‘Não define’
Longe dessa grita,
Lá onde mais surge,
A luz no horizonte,
Veste o manto da paridade;
Lá, talhada no mundo,
Resistindo as adversidades,
Andarilha reconstruída,
Batalhadora que é
Une pela dor,
As diferentes nações,
Longe do conforto,
Da beira do rio…”
Deixe um comentário