Falar de saias rodadas é se antepor à expressão usada em nossa língua: saia justa, que nos remete a desconforto e dificuldade de movimentação das mulheres, mas que serviu para situar quaisquer dificuldades.
Ao pensar nas saias rodadas, vejo mulheres pretas vindas do continente africano, tão presentes em nosso cotidiano: as mulheres de terreiro. Seus passos vêm de longe e sua vestimenta simboliza útero que contém e é contido, com liberdade de movimentos e de pensamentos!
As baianas surgem no cenário nacional como as Ganhadeiras de Itapoã, em Salvador, vendendo seus acarajés e comidas, cantando sambas de roda do mar, criando os balangandãs de crioula e medidas do Bonfim. São mulheres guerreiras e plenas de sabedoria.
Por conta dessas tias baianas como Tia Ciata, as saias rodadas chegam ao Rio de Janeiro, atuando no espaço sócio-cultural do samba, que se desdobra nos quintais dos sambistas, nas agremiações de bairro ou em qualquer espaço onde o samba esteja,
As saias rodadas trazem para o Rio de Janeiro uma outra visão do corpo feminino. Os hábitos corporais transmitidos através da educação familiar ou da escola seguiam o padrão europeu que não viam os corpos como iguais e que estabeleceu hábitos corporais que só valorizam a visão e o tato, além de situar o corpo preto e indígena como corpos produtores: corpo-instrumento, que precisa ser treinado, modelado, funcionando como ferramenta ou corpo-dominado, totalmente-alienado, que se troca por um salário sendo o corpo- transformado em mercadoria, vendido como escravo.
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Na tradição das saias rodadas, o corpo foi caminho da formação de uma maneira própria de ser, de se auto-afirmar, onde, através do movimento se transmite o envolvimento emocional, o sentimento de raiz e tradição, além de uma plasticidade reveladora de uma cultura de resistência, onde se apresentam movimentos de autopreservação e continuidade cultural. O corpo preto abriga o orixá – força da natureza, estabelecendo comunicação direta entre o sagrado e o profano. Este corpo se torna aberto/fechado, estável/instável, firme/escorregadio, cria de júbilo, de energia, produzindo diferença cultural, numa plenitude do existir no rito, num aqui e agora, que possibilita integração de corpo e alma.
PublicidadeNa festa da Penha, onde a missa era um introito para a colônia baiana e a comunidade negra carioca, Tia Ciata e Tia Bebiana pontificavam, com sua esmerada e apreciada culinária afro.-baiana. Em torno delas reuniam-se os melhores músicos e compositores negros da época. Sua casa passa a ser ponto de encontro dos sambistas, que chegam ao rádio e aos salões, graças a Donga, Ernesto dos Santos, filho da Tia Amélia Silvana dos Santos, que grava o Pelo Telefone. Muitas baianas geraram sambistas ilustres, como Perciliana Maria Constança, mãe de João da Baiana, :Tia Sadata, da Pedra do Sal, que foi uma das fundadoras do rancho Carnavalesco Rei do Ouro com Hilário Jovino Ferreira, Ogã do Terreiro de João Alabá, que levou os ranchos para as ruas e estimulou o maxixe, o choro, divulgando, com o apoio de Tia Bebiana de Iansã nomes como Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Sinhô etc..
A procedência das saias rodadas é variada, pois tivemos povos de Angola, do Congo, da Nigéria, de Burkina Faso e do Daomé, com línguas, histórias e rituais distintos, apesar de professarem a fé tradicional africana: culto aos orixás, inquices e vodus. Tais diferenças nos permitiram ter diversas culturas africanas que se refletem nas manifestações afro-luso-americanas, numa mescla que resulta em samba de roda, samba de terreiro, jongo, capoeira, maracatu, ciranda, frevo etc.; Todas essas manifestações representam formas diversas de movimentação do corpo preto, que se liga ao território e à cultura de cada um desses grupamentos humanos.
As baianas das escolas de samba dançam de um jeito, as do maracatu de outro e a das cirandas de outro, atendendo aos diferentes toques dos tambores e representação das energias da natureza, o que demonstra a criatividade destas comunidades. São variadas formas de movimentar o corpo usando todos os sentidos: tato, audição, paladar, olfato e visão.
No próximo carnaval o GRESE Império da Tijuca irá homenagear as cirandas de Pernambuco com o enredo Lia de Itamaracá cirandando a vida na beira do mar. Seu nome é Maria Madalena Correia do Nascimento, nasceu em Pernambuco em 1944, sendo dançarina, compositora e cantora de ciranda, considerada a mais célebre do país. A escola irá apresentar a relação de Lia com as águas da ilha trazendo as danças e cantigas de Pernambuco, pleno de ritmos e cores e que a tornaram Rainha da Ciranda, para um encontro com o povo do Rio de Janeiro. Para dançar ciranda é preciso dar as mãos, formar uma roda, dançar e cantar, num processo de integração total com o grupo e com cada um de seus componentes. A movimentação faz o fluxo e refluxo das ondas do mar, une as pessoas e promove integração física e mental.
As baianas rodam juntas, imitando o movimento da Terra, usando todos os seus sentidos, sempre louvando a vida e o grupo.
Constatamos, assim, que são muitas as saias rodadas brasileiras, que representam a sabedoria da coroa dos cabelos brancos, da experiência de vida, que nos leva ao respeito pelos mais velhos. quer seja nos terreiros de candomblé , umbanda ,escolas de samba, ciranda, frevo, maracatu ou congada, por serem elementos essenciais para a preservação e continuidade histórica de nossas comunidades.
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