Não sei você, mas sinto um profundo mal-estar quando ouço a voz dele. Sim, a imagem, com aquela cara de beócio maligno, também me incomoda, é claro. Principalmente quando tenta parecer engraçado e solta, com um risinho imbecil, aquelas piadas sórdidas de botequim pé-sujo, fim de madrugada, quando todas as gracinhas, principalmente as mais homofóbicas, as mais misóginas, as mais machistas, as mais grotescas, as mais sem graça, são recebidas pela roda de bêbados com gargalhadas de assentimento.
Mas é a voz, com aquele timbre e aquele ritmo aprendido ao ouvir comandantes nos exercícios de ordem unida, quando as pausas são ditadas não pela pontuação nem pelo sentido mas apenas para permitir que a palavra gritada seja escutada do primeiro ao último da fila, o que mais me irrita. Pois é esta fala, disparada sempre em tom de mando e não de prosa, e que sempre me soa mais como ameaça do que como condutora de algum tipo de conteúdo relevante, o que dá náusea e engulhos, e me faz automaticamente baixar ou desligar o som do rádio, da tv ou do celular quando a escuto.
As emissoras de rádio e tv, com base em suas pesquisas internas, cientes de que não só eu mas grande parte da audiência muda de estação ou corta o som quando ele começa a falar, vêm gradativamente suprimindo a imagem e a voz dele por uma transcrição do conteúdo do que disse ou decidiu. Ou seja: não censuram, e sim mantêm a informação, mas evitam por no ar sua figura. E, assim, não lhe dão palanque. Nem constrangem sua audiência com seus rictus facial amedrontador nem sua voz autoritária e arrogante.
Leia também
Se o leitor se der ao trabalho de ouvir a gravação de um discurso de Hitler ou Mussolini vai perceber nítidas semelhanças. De Mussolini você pode conferir acessando este link. E de Hitler, este.
Em ambos, sobressai nítida a expressão intimidatória, na qual o discurso em si tem significado irrelevante, enquanto o mise-en-scène, a forma, são o que efetivamente interessa. Observe-se a entonação autoritária e a postura corporal. Nos dois ditadores, sobressai a voz gritada e o queixo arrebitado. Ensino aos meus alunos de Telejornalismo que é no queixo onde mora a arrogância. O primeiro gesto dos arrogantes quando falam é o de erguer o queixo. “Sabe com quem está falando?” Como bem ensinava Pierre Weil em seu best-seller “O Corpo Fala”, a intenção é conquistar não pelos argumentos, mas pela forma visual e auditiva do discurso. Se nos anos 20/30, quando dirigiram a Itália e a Alemanha de forma ditatorial, com mão de ferro – e bota ferro nisso! – a técnica funcionou, por que não funcionaria hoje? Só que, lá naquela época, sem tv nem internet, os pronunciamentos tinham de ser assistidos ao vivo ou, no máximo, esporadicamente, em salas de cinema. E deu no que deu. Hoje, com a internet, o alcance não se dá sequer nacionalmente, mas planetariamente! O celular permitiu acesso irrestrito aos conteúdos em qualquer hora e lugar. Com isso, a força de um discurso desse tipo adquire características avassaladoras. Não à toa, as emissoras integrantes da mídia de mercado vêm evitando difundir imagem e voz. Conhecem seu métier. Sabem muito bem do poder que tem um discurso com tais características.
Pois, no momento em que o discurso do ódio, difundido tanto por ele quanto por seus seguidores, é apontado como a inspiração e a causa originária da escalada de violência, pelo efeito-exemplo, com as agressões, os insultos e os assassinatos, como o do tesoureiro do PT no Paraná, e a elevação explosiva do número de armas adquiridas e armazenadas, sem falar no crescimento vertiginoso dos clubes de tiro pelo país a fora, é bom ir às origens da náusea que a voz dele imprime em quem ainda mantém um mínimo de sensibilidade. Identificar semelhanças entre o agora daqui e o que aconteceu na Europa tomada pelo nazi-fascismo deve servir de alerta vermelho. Sem catastrofismo, mas apenas observando os fatos, é possível afirmar que, ao longo de toda a história imperial e/ou republicana (incluindo as duas ditaduras, uma civil, outra, militar), jamais se vislumbrou no Brasil um panorama tão violento numa campanha política como agora. E como a escalada de disseminação do discurso do ódio não deve arrefecer, dá para prever, lamentavelmente, que haverá mais derramamento de sangue até outubro.
Até uma pessoa como a apresentadora Xuxa, que não é analista nem cientista política, já percebeu isso. Segundo declarou a “O Globo”, está assustada com os rumos políticos do Brasil, e que, por isso, a vontade de morar no exterior apenas cresce. “Me aposentar eu não quero. Mas como tenho medo de muita coisa que acontece… Neste momento político, a gente precisa repensar em todos os nosso atos para que a gente não pague um preço tão alto como o que a gente está pagando”. Xuxa acrescentou que quer “ter para onde ir”, caso se veja sem outra saída. “Ter um governante que, ao invés de fazer paz e amor, faz o símbolo do ódio e da arma não está nada certo. Esse erro vai repercutir por muito tempo. Essa pessoa não me representa. Não vou dizer em quem vou votar. Só sei em quem não vou votar”.
Xuxa é rica, pode deixar o país quando quiser pra escapar da violência política. Mas, e o resto?
Engraçado ler sobre preconceito num texto repleto de desse mal… Parabéns pela hipocrisia, e sigamos no “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.