No dia seguinte à facada que levou de Adélio Bispo no dia 6 de setembro de 2018, ficou claro tanto para os médicos quanto para a família do presidente Jair Bolsonaro que ele precisaria ser transferido para um hospital mais equipado e com mais recursos do que a Santa Casa de Misericórdia, de Juiz de Fora, para onde ele foi levado após o atentado.
Havia três opções em discussão: o Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, o Hospital Israelita Albert Einstein, também São Paulo, e algum hospital militar. A alternativa pelo Sírio, no entanto, gerou uma discussão dentro da família do presidente e seus aliados políticos, especialmente aqueles de inclinação ideológica de direita mais forte. “Ali é o hospital do Lula”, foi a posição que prevaleceu.
É no Sírio Libanês que o principal adversário de Bolsonaro nas eleições presidenciais, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, costuma ser atendido e fazer seus exames. No início do ano passado, Lula chegou a ficar internado no Sírio para tratar uma bacteremia. Também foi no Sírio que foi internada a ex-mulher de Lula, Marisa Letícia. Com a prevalência da posição de que o Sírio era o “hospital do Lula”, Bolsonaro foi transferido para o Hospital Israelita Albert Einstein.
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“Se o próprio Jair tivesse tido opção de opinar, eu acho que ele iria pedir para ser transferido para algum hospital militar”, avalia o empresário Léo Rodrigues, segundo suplente do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente. “Jair” é o presidente Jair Bolsonaro.
A história acima está no livro “A Onda”, escrito por Léo Rodrigues. No livro, o empresário afirma que “seguramente” tais questões ideológicas foram levadas em conta. E diz que parte do relato a esse respeito foi feito a ele pelo ex-ministro da Secretaria de Governo Gustavo Bebianno, que morreu em 2020.
O livro é um relato dos bastidores da campanha de 2018, quando Rodrigues ajudou a campanha especialmente de Flávio. Inicialmente, ele iria ser candidato a deputado federal, mas acabou inserindo-se no staff do filho do presidente, tornando-se seu segundo suplente (o primeiro suplente é Rogério Marinho, que acabou se desentendendo com a família Bolsonaro após a demissão de Bebianno do governo).
PublicidadeApesar do viés favorável a Bolsonaro, o próprio Rodrigues admite que seu relato contém trechos que podem gerar certa delicadeza para o presidente, sua família e seus aliados mais próximos. Caso da prevalência ideológica na escolha do hospital que acolheria Bolsonaro. “Não é um livro bolsonarista”, acredita ele. “É um livro que tem coisas positivas e não tão positivas”, continua. “Um relato de como foi se formando uma onda contrária ao PT que encontrou em Bolsonaro a referência para crescer e levá-lo a se eleger presidente”, diz ele.
Fabrício Queiroz
Ao narrar ainda o episódio da facada, Rodrigues inclui na cena um nome cuja presença hoje é espinhosa para Bolsonaro e sua família: Fabricio Queiroz. O policial militar da reserva é apontado como o operador do esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro como deputado estadual. O livro nada fala sobre a existência ou não do tal esquema, cuja existência Flávio nega. Mas mostra que Queiroz era, de fato, alguém muito próximo a Flávio. Tão próximo que foi com Queiroz que Flávio rumou do Rio de Janeiro para Juiz de Fora depois que seu pai sofreu o atentado.
Segundo Rodrigues, eles partiram para Juiz de Fora em dois carros. No primeiro, estavam Flávio e Queiroz. No segundo, ele e o hoje deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ). “O Queiroz era homem de confiança do Flávio”, afirma Rodrigues. “Foi peça importantíssima da campanha. Fez a segurança de Flávio”, continua.
O livro narra toda a construção da candidatura, desde a escolha inicial de Bolsonaro por ser candidato pelo então Partido Ecológico Nacional (PEN). Como o partido depois mudou o nome para Patriotas. E como depois acabou descartado com a ida do candidato para o PSL. A aproximação no Rio de Bolsonaro do candidato do MDB ao governo, Wilson Witzel, com quem, depois de eleito, Bolsonaro acabou rompendo. Hoje, Witzel está cassado, acusado de desvio de verbas no combate à covid-19 no estado. Léo Rodrigues chegou a ser secretário de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. Deixou o governo após a saída de Witzel.
“Desde a campanha, as pessoas me perguntam sobre os bastidores. De tanto ter de contar essas histórias, eu acabei resolvendo escrevê-las”, diz ele. O livro, bancado pelo próprio Rodrigues, teve um lançamento no Rio em maio. Ele agora pretende fazer novas noites de autógrafos no Rio de Janeiro e em outras cidades. Ainda não há previsão de lançamento em Brasília.
Veja trecho do livro sobre a decisão de transferir Bolsonaro para o Albert Einstein:
“Sem dúvida, o atendimento da Santa Casa de Juiz de Fora foi sensacional. A equipe foi correta e atendeu com todos os protocolos. Os médicos de Juiz de Fora salvaram a vida dele, mas o risco ainda era muito grande e ele precisava ser transferido para um hospital de grande porte que pudesse tratar das questões mais complexas.
Naquele momento, as possibilidades eram o Hospital Israelita Albert Einstein, o Sírio Libanês ou um hospital Militar. Eu acho que a família na decisão entre os hospitais Sírio e Libanês e o Albert Einstein, seguramente, foi levado em consideração o fato de o Sírio Libanês, apesar de toda competência, ser um hospital libanês que já tem no histórico o atendimento aos políticos de esquerda como o Lula e a Dona Marisa.
Já a outra opção era um hospital israelita, o Albert Einstein. Israel é um país de direita com o qual o Jair tem uma boa relação. Na minha opinião, essa opção tem uma conotação política também. “Levo para o hospital Sírio Libanês frequentado por ideológicos de esquerda ou levo para o Albert Einstein, preferido dos ideológicos de direita, conservadores?”. É claro que a gente não pode afirmar, mas a gente pode deixar no ar que isso teve relevância na decisão de levar no dia seguinte para o Albert Einstein, em São Paulo. Só presenciei uma parte pequena desse diálogo da transferência; estava ao lado do Bebianno. Foi ele, inclusive, que me contou mais detalhes”.
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