Ainda sob o impacto das tristes cenas ocorridas no último domingo em Brasília, faz-se necessário não perder o foco do enfrentamento dos grandes problemas nacionais, paralelo à defesa intransigente da democracia brasileira.
Os desafios brasileiros são de tal ordem que não há tempo para paralisia. Na última semana, abordei a necessidade vital da reestruturação e qualificação da atenção primária à saúde como pilar do sucesso do sistema nacional de saúde, particularmente do SUS.
Em boa hora veio a nomeação do médico sanitarista, Nésio Fernandes, como Secretário Nacional da Atenção Primária, que a partir de sua experiência como secretário municipal de Palmas, secretário estadual do Espírito Santo e presidente do CONASS, tem profundo conhecimento da realidade do SUS.
Como ex-gestor de saúde, gostaria de alinhar algumas ideias e opiniões sobre o caminho a seguir para a abordagem deste que me parece o maior gargalo da política pública de saúde. É evidente que a pandemia deixou uma difícil herança como, por exemplo, as filas agravadas para exames, tratamentos e cirurgias. Mas não se pode perder a visão estratégica de longo prazo.
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O primeiro desafio, em minha opinião, é a superação de um traço cultural um tanto ingênuo que atribuí à atenção primária apenas as imprescindíveis tarefas de prevenção e promoção da saúde. É preciso sim ter resolutividade clínica na atenção primária. A literatura afirma que 80% das necessidades da população em saúde devem e podem ser resolvidas neste nível de atenção. Estamos longe, muito longe, disto.
E aí surge uma questão central, a formação do profissional médico e a organização do mercado de trabalho setorial. De nada adianta a multiplicação de faculdades de medicina, sem a qualidade necessária. O médico da família, sem a segurança e os conhecimentos mínimos, acaba resolvendo pouco e encaminhando para especialistas, numa rede pouco integrada e cheia de gargalos. Os melhores médicos acabam procurando especialidades valorizadas pelo mercado. Há que se estruturar estratégias de formação sólida e valorização dos médicos da atenção primária.
Nos 12 anos quando nossa equipe esteve à frente da saúde de Minas Gerais, engendramos um programa denominado Saúde em Casa. Eram um conjunto de ações que dão uma boa dica sobre o caminho a seguir: 1) plano diretor da atenção primária; 2) implantação de linhas guia em torno das principais linhas de cuidado com base no perfil epidemiológico da população; 3) programa de educação permanente presencial com apoio de tutores das universidades; 4) educação à distância, através do Canal Minas Saúde, que formou e qualificou 250 mil profissionais; 5) investimento maciço na infraestrutura para garantir ambiente de trabalho e acolhimento adequados; 6) incentivo mensal contra poucas e essenciais metas com mensuração de resultados; 7) uso intensivo da Telessaúde, potencializado agora com a nova legislação; 8) premiação de experiências exitosas para o estabelecimento de uma competição saudável; 9) implantação do protocolo de classificação de risco; 10) assistência farmacêutica integrada.
Fica ainda o desafio da efetiva implantação do Cartão SUS e do Prontuário Eletrônico, essenciais para a integração da atenção primária aos demais níveis de atenção, obra inconclusa e em permanente construção nas últimas décadas.
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