Mesmo antes de assegurar a vitória do seu candidato nas urnas, no segundo turno presidencial marcado para o próximo dia 28, aliados de Jair Bolsonaro travam nos bastidores uma dura guerra de posições com o objetivo de acumular forças para uma eleição que só se realizará em 1º de fevereiro de 2019, a do futuro presidente da Câmara dos Deputados. O tema provoca divergências dentro do PSL, partido de Bolsonaro, e também entre a sigla e outras legendas que deverão compor a possível base de apoio governista.
Se depender dos parlamentares do PSL, o novo presidente da Câmara sairá do partido. Mas o próprio presidente nacional da agremiação, Gustavo Bebianno, condenou publicamente a ideia. Em entrevista à jornalista Andréia Sadi, do portal G1, disse que tal movimento seria “antiestratégico” e levaria a uma “concentração de poder inadequada”. Bebianno também se mostrou favorável a um entendimento com o atual ocupante do cargo, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que era apontado como favorito para a função até a eleição de primeiro turno.
Contra Maia, contudo, insurgem-se tanto membros do PSL quanto integrantes de outros partidos neste momento próximos a Bolsonaro. “O Rodrigo já é o candidato da esquerda, chegou lá apoiado pelo PCdoB e pelo PT”, afirma um bolsonarista de primeira hora, vinculado a um desses partidos. O deputado reeleito Delegado Waldir (PSL-GO), que por conta própria se lançou candidato ao posto hoje ocupado por Rodrigo Maia, é mais contundente nas críticas. “Não há a menor hipótese de apoio [a Rodrigo Maia]. Está envolvido na Lava Jato, não podemos começar uma nova fase no país assim. Fez uma péssima administração da Câmara. Não reduziu nada em termos de custos numa instituição que tem gastos absurdos. E os projetos estão todos parados, não temos votado praticamente nada”, declarou ele ao Congresso em Foco. Questionado sobre as declarações de Bebianno, ele reafirmou a disposição de manter a candidatura. “É um direito meu e de qualquer deputado. Claro que a prioridade agora é eleger Bolsonaro, mas, passado o segundo turno, vou retomar o trabalho para fazer uma depuração do Congresso”, anunciou.
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Outro pré-candidato, também reeleito, é o deputado Capitão Augusto (PR-SP), que a partir de dezembro presidirá a Frente Parlamentar de Segurança Pública, mais conhecida como “bancada da bala”. Seu discurso de campanha é farto em reparos à atual presidência da Câmara. “Não critico Rodrigo Maia, mas a gestão dele. Foi um período em que a gente não entendia o que estava acontecendo. A gente não tinha pauta legislativa prévia. Não temos horários regulares para votação. Nem teve uma distribuição justa das principais relatorias e das comissões. É isso que vou utilizar”, declarou.
Enquanto Rodrigo Maia trabalha em silêncio, já se lançaram como pré-candidatos, além do Capitão Augusto e do Delegado Waldir, os deputados Fábio Ramalho (MDB-MG), Joice Hasselmann (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Renata Abreu (Podemos-SP). E dois nomes são muito lembrados dentro da bancada do PSL, Eduardo Bolsonaro (SP) e Luciano Bivar (PE), que é o presidente honorário do partido.
Hora de ruptura
Quase todos esses parlamentares rejeitam o nome de Rodrigo Maia com um argumento parecido. O momento é de renovação – ou de “ruptura”, como preferem os bolsonaristas – e não recomenda continuísmo em um cargo tão importante. Além de ser responsável por definir a pauta de votação, o presidente da Câmara tem, entre outras prerrogativas, poderes para arquivar ou encaminhar pedidos de impeachment do presidente da República.
De espírito conciliador, Rodrigo Maia se reelegeu com 74.232 votos para o seu sexto mandato consecutivo, na condição de 13º mais votado dos 45 deputados eleitos pelo Rio de Janeiro. Bolsonaristas ouvidos pelo Congresso em Foco dizem que não lhe falta apenas a face da renovação política pela qual as urnas teriam clamado. Alegam ainda que, por direito, o PSL é a bancada que melhor espelha a vontade de mudança do eleitorado.
Com oito deputados federais atualmente, o PSL elegeu 52 e foi superado apenas pelo PT (56). Mas pretende conquistar adesões suficientes para superar os petistas em tamanho. “Na verdade, fizemos de fato a maior bancada. Perdemos sete deputados, que foram eleitos, mas caíram por causa dessa regra nova dos 10% do quociente eleitoral”, diz o deputado Manato (PSL-ES), referindo-se aos prejuízos causados ao PSL pela exigência de quociente individual, adotado pela primeira vez nas eleições deste ano. “Não posso falar nada de Rodrigo Maia, que considero um excelente presidente, mas o desejo do PSL é legítimo”, completou.
Em reunião realizada nesta semana, a recém-eleita bancada paulista do PSL não apenas chegou à igual conclusão como decidiu indicar para a sucessão de Maia o deputado federal mais votado do país, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Duas restrições são feitas, contudo, a Eduardo Bolsonaro. A primeira é sua filiação. “Não fica bem a Câmara ser presidida pelo filho do presidente da República”, pondera um parlamentar bolsonarista. “Família não pode ajudar, mas também não pode atrapalhar”, rebateu em entrevista à Agência Estado o general reformado Sebastião Peternelli Júnior, outro deputado eleito pelo PSL paulista e entusiasta da candidatura de Eduardo.
Idade é o segundo problema. Eduardo Bolsonaro só completará em julho do ano que vem 35 anos, idade mínima exigida pela Constituição Federal para o exercício da Presidência da República. Como o presidente da Câmara é o terceiro na linha de sucessão, alguns juristas entendem que a função deve ser vedada a quem não pode chefiar o governo na ausência do presidente e do vice-presidente da República. O argumento é invocado contra outro autocandidato, o líder do MBL Kim Kataguiri, 22 anos. O mesmo Kim, porém, aponta uma solução aparentemente simples: bastaria o sucessor de Maia não substituir o presidente da República.
Pé na estrada
“A Câmara precisa ter alguém alinhado com Bolsonaro para que as coisas sejam tocadas”, afirma Capitão Augusto. “Mas seria muito ruim para a imagem da Casa ter um presidente do mesmo partido que o presidente da República”, acrescenta, antes de anunciar que começará em breve a percorrer o Brasil para se encontrar com parlamentares eleitos e consolidar sua candidatura.
Num país em que são muito grandes os poderes do Parlamento, o que está em questão não é um problema banal. Dificuldades na condução da eleição do presidente da Câmara dos Deputados trouxeram obstáculos para os três últimos ex-presidentes. Fernando Henrique Cardoso disse mais de uma vez que o PSDB começou a perder a disputa presidencial de 2002, vencida por Lula, quando o tucano Aécio Neves (MG) derrotou os aliados do DEM (à época, PFL) para ocupar o posto.
Lula deixou escapar uma vitória dada como certa porque dois petistas, Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e Virgílio Guimarães (MG), resolveram se enfrentar na primeira rodada de votação, certos de que o mais votado deles liquidaria a fatura no turno final, no qual o vitorioso precisa ter pelo menos metade mais um dos votos. O vencedor foi Severino Cavalcanti (PP-PE), que se tornaria famoso por um “mensalinho”, que o levaria a perder o mandato, e pela desfaçatez com que tornou público o seu desejo de ganhar uma diretoria específica da Petrobras, “aquela que fura poço”.
Vida mais dura teve Dilma Rousseff. Contrariando a recomendação de Lula para se aproximar do então líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), ela optou pelo caminho oposto e decidiu fazer de tudo para impedir sua eleição. Cunha tornou-se presidente da Câmara, derrotando Dilma de goleada; infernizou o seu governo com as chamadas pautas-bomba; e depois deu início ao processo de impeachment que a traria de volta à planície.
Um histórico que bolsonaristas não filiados ao PSL se empenham agora em relembrar. “Se não querem reviver o pesadelo que a Dilma teve com o Cunha, eles terão de ter agora a sabedoria de buscar o equilíbrio entre as forças partidárias. Um dos erros do PT foi este. Quis poder demais e deu no que deu”, alerta um desses congressistas.