Sabe-se lá se a história é verdadeira ou não. Mas entrou no imaginário brasileiro como um enorme exemplo da sabedoria popular. É uma das maiores lendas do futebol brasileiro, tão forte que virou uma espécie de ditado.
Foi na tarde de 13 de junho de 1958 que Garrincha e Pelé estrearam em Copas do Mundo e entraram para a história. O Brasil enfrentaria a União Soviética, no segundo jogo da Copa. Na partida anterior, com Garrinha e Pelé no banco, a seleção não tinha ido bem contra a Inglaterra, ficando no zero a zero.
Bem, a lenda diz que, na preleção para o jogo, o técnico Vicente Feola emendou uma interminável série de recomendações sobre quem marcava quem, quem recuava para que o outro avançasse, quem cruzava, quem recebia, etc. Na prancheta, tudo parecia solucionado. Foi quando Garrincha, com seu jeito de ingênua malandragem, teria feito a pergunta que virou lenda: “O senhor combinou com os russos?”
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“Combinar com os russos” tornou-se desde então o resumo do abismo que muitas vezes costuma haver entre o que se desenha na teoria e o que acontece de fato em seguida na prática. Desde a revolução socialista de 1917, russos são vermelhos. Como vermelhos são também os petistas.
Na busca por ampliar as suas chances para além das bases tradicionais de esquerda do PT e seus aliados tradicionais, o candidato do partido à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, vem costurando apoios ao centro e à direita. O mais robusto deles vai se consubstanciar nesta quarta-feira (23), quando o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin filia-se ao PSB para ser o candidato a vice na chapa de Lula.
PublicidadeNa prancheta de Lula, como na de Feola em 1958, tudo parece fazer grande sentido. Alckmin entra para dar à chapa uma coloração mais conservadora. Leva com ele diversos prefeitos do interior de São Paulo aliados, o que pode tornar mais palatável uma candidatura petista – Lula deseja a de Fernando Haddad – para o governo estadual no interior paulista. Alckmin reduz os receios de grupo mais à direita no empresariado e no mundo financeiro.
Embora haja muxoxos de grupos petistas quanto à aliança com Alckmin, a presença do ex-governador paulista na chapa deverá ser razoavelmente assimilada, como em 2002 assimilou-se a presença do empresário José Alencar. Mas uma eleição nacional, na prática, não acontece no país, acontece em cada estado, em cada município. E é aí que a prancheta de Lula parece vir esbarrando na prática. Especialmente no Nordeste, onde ele lidera com mais folga.
O primeiro grande problema surgiu na Bahia, onde Lula tem imensa vantagem sobre Bolsonaro. Na prancheta, o senador Jaques Wagner, na combinação com Lula, abriu mão de ser candidato a governador imaginando que seria possível a partir daí se costurar uma aliança à direita no estado. Wagner abriria mão para uma candidatura do senador Otto Alencar, do PSD, ao governo. O governador Rui Costa, do PT, se desincompatibilizaria para concorrer ao Senado. E o PT, então, entregaria o governo ao vice, João Leão, do PP, que cumpriria como governador o mandato até dezembro.
Faltou “combinar com os russos”. O PT fez um veto público a João Leão, e a aliança foi destruída. Leão rompeu com o PT no estado, desfazendo uma união local que durava 13 anos. Leão desembarcou em Brasília na sala do chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, para dar o apoio do PP a Bolsonaro na Bahia.
Em Pernambuco, desgaste parecido. A deputada Marília Arraes vai deixar o PT e disputar o governo pelo Solidariedade. Da mesma forma, goraram as táticas desenhadas na prancheta na qual se prevê a candidatura do deputado Danilo Cabral, do PSB, ao governo e se imaginava um lugar para Marília Arraes na vaga para o Senado. Ficou rachada a aliança local. Marília sugere palanque duplo para Lula em Pernambuco, o de Danilo Cabral e o dela. Marília encontrou-se com Lula na segunda-feira. Ele até posou para uma foto com ela, mas com uma cara fechada, de poucos amigos. O PSB resiste ao palanque duplo.
Enfim, da teoria da prancheta para a prática, é um caminho. E precisa “combinar com os russos”.
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