Anonimato, memes, discurso de ódio, pornografia, nudes, banalização. A internet trouxe uma nova dinâmica às relações de gênero no brasil.
Muitos grupos se fortaleceram na luta por igualdade entre homens e mulheres, inclusive protegendo a infância.
No entanto, não há estudos que comprovem se a violência aumentou ou diminuiu, depois que a internet entrou em cena e tudo ganhou uma escala muito maior.
Tudo parece de menor importância, porque é virtual, ou seja, acaba rápido.
Na verdade, é todo o contrário.
A velocidade é maior.
A comunicação se espalha mais.
PublicidadeA informação não mais rastreável.
Torna-se irrecuperável.
Como um fantasma no armário.
As vítimas não sabem quanto o abuso na internet voltará a lhes assombrar.
A possibilidade do anonimato, os perfis faltos, agravam o problema.
A internet, assim, banaliza tudo. A informação é massiva.
Apenas uma a mais
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O Papo de Futuro fala hoje da violência de gênero.
A Câmara está encerrando a Semana de Violência contra a mulher. É nossa contribuição para pensar como a internet nos libertou, ou nos oprime, como vítimas da sociedade ou da própria inocência.
Criadas para serem boas, obedientes e num mundo cada vez mais competitivo, as mulheres tendem a aceitar tudo. E a se calar, até receberem a última punhalada. Essa é a história de Noelia Míguez, a espanhola r que revisitou sua dor para contar no livro a história impressionante de como sobreviveu aos maus tratos do marido.
O livro se chama Ocho Señales, ou Oito Sinais.
O primeiro sinal é um gesto de desrespeito. Que avança rapidamente para uma agressão verbal, muitas materializadas via WhatsApp. Em seguida, uma cuspida na cara, fazendo-a crer que a mulher é culpada pela própria agressão. Além da culpa, a autora era bombardeada por uma estratégia de controle baseada em isolamento e dominação narcisista, com frases do tipo: ninguém te ama, nem seus amigos, nem sua família e infinitos ataque à autoestima da vítima.
Já dominada, a vítima sofre a primeira agressão física, seguida de um controle absoluto sobre sua vida: com quem fala, como se veste, o que faz, onde esteve, passando às queimaduras com objetos como cigarros e, finalmente, a frustração da infidelidade, humilhação que a faz sentir paralisada, ou seja, envergonhada o bastante, para não ter coragem de pedir ajuda.
A campanha da Câmara
Da vítima do machismo na Espanha à experiência brasileira, temos números assustadores de violência contra mulheres. Eles estão na cartilha[2] da Câmara dos Deputados sobre como criar uma Procuradoria da Mulher nos Estados e Municípios, invocando para o papel dos Parlamentares de assumir a sua responsabilidade na luta contra os maus-tratos e homicídios de mulheres, sobretudo por seus companheiros ou alguém da família.
Por exemplo, com toda a comunicação da internet, toda a informação que chega sobre direitos iguais e leis que protegem a mulher da violência sofrida em casa, temos pesquisa que demonstra que pelo menos 17 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência ou agressão durante a pandemia de Covid-19, diz pesquisa do Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Em outras palavras, em 2020, uma, a cada quatro mulheres com idade acima de 16 anos, foi atacada física, psicológica ou sexualmente no primeiro ano da crise sanitária.
Custa compreender índices tão expressivos de violência num pais com leis que protegem a mulher, mas a verdade é que a violência começa na primeira infância, explicam os especialistas, de duas formas muito específicas.
Por um lado, os filhos que são maltratados e, inclusive, apanham, e assim aprendem que a violência é uma forma válida de se relacionar. Ou seja, filhos maltratados que se tornam maltratadores, diz Concepción Sanchez Pina, da Associação Espanhola de Pediatria.
Por outro lado, as crianças sofrem violência sexual e moral em suas casas, na forma de maltrato físico (40%), emocional (59%) e negligência (69%), que são dados da Espanha.
A internet não mostra, mas o que está por trás da violência contra a mulher é a crença de não ser amada o suficiente e não ser merecedora de atenção e de amor, fruto de necessidades não supridas na primeira infância, que por sua vez se enraízam em carências que as acompanham ao longo da vida.
Não raro, as mulheres aceitam o maltrato porque o maltratador as fazem acreditar que não encontrarão outro parceiro e que a violência é quase um castigo por algum mal que fizeram.
Violência sem saída
Sem saída, elas ficam para mais violência.
O que ocorre na internet, corroborando com esse quadro de abandono, segundo monografia sobre crimes virtuais e violência de gênero escrita por Ana Larissa Guimarães da Universidade do Ceará, é a banalização das manifestações de violência online, derivada da ideia equivocada de que ocorrem apenas virtualmente e, portanto, são passageiras.
Os próprios nudes são uma demonstração de crime praticado contra as mulheres, que partem da inocência de uma adolescente que envia, na privacidade, uma foto ao namorado.
Até mesmo o Jeff Bezos, dono da Amazon, foi vítima de crime de chantagem pelo uso indevido de seus nudes, porém, diz Guilherme Fellitti, no episódio sobre privacidade do Tecnocracia, que “a exposição de fotos íntimas é um mal terrível, principalmente para as mulheres, que dificilmente conseguem superar o trauma”.
A monografia de Ana Larissa demonstra que a exposição da intimidade é uma forma de reforço à opressão feminina através do controle masculino sobre a sexualidade da mulher.
Veja então que está tudo interligado.
O que diz a lei
Em que pese essas condutas sejam criminalizadas no Código Penal, por meio dos delitos relacionados à divulgação não consensual de imagens íntimas, tipificados no ano de 2018, com a aprovação da Lei 13.718 que promoveu alterações no Código Penal Brasileiro, o processo de vitimização social a que essas mulheres são submetidas leva a que silenciem, para que não fiquem marcadas pela mancha de “coitadinhas” e não virem “memes” na internet.
No relatório denominado “Violências Contra Mulher Na Internet: Diagnóstico, Soluções e Desafios”, desenvolvido em 2017, a violência online foi mapeada em variadas condutas de violência de gênero, tais como mansplaining ou gaslighting, que são tipos de manipulações psicológicas, além comentários misóginos, perfis falsos criados para assediar alguém, e divulgação ou ameaça de divulgar fotos íntimas, que também se intersectam com censura, ofensas, discursos de ódio, ameaça de violência física, stalking (tipo de perseguição à vítima), exposição de dados pessoais e da intimidade e utilização não consentida de fotos, por exemplo.
Sextorsão e estupro virtual são outras modalidades de crime não menos graves. Ou seja, o agente se utiliza da posse das imagens, ameaçando divulgá-las, para obrigar a vítima a praticar relações sexuais com o próprio agente ou terceiro.
Se os contornos psicólogos e a dependência emocional são relevantes nesse círculo vicioso da violência, o que é determinante é a dependência financeira que vítima tem do seu maltratador. Já o Marco Civil da Internet determina a remoção imediata do conteúdo relacionado à nudez ou atos sexuais de caráter privado, mediante notificação do participante ou representante legal.
Omissão da big techs
O que a gente se pergunta é porque as big techs, as plataformas que praticamente monopolizam os mercados em que atuam, ou seja, o Google na busca e o Whatsapp, Facebook e Instagran, nas redes sociais, não reagem à essa banalização da violência contra a mulher, por um lado, banindo o conteúdo pornográfico não consentido, a chamada pornografia da vingança, ou ainda os pacotes de pornografia ou pornografia infantil, e, por outro, fazer campanhas pela promoção dos direitos da igualdade e de reparentalização positiva, coibindo os abusos dentro de casa.
Se essas plataformas deixassem de promover o discurso de ódio e a discriminação de gênero, pensando no nível de engajamento que esses conteúdos propiciam, e, portanto, lucro aos acionistas, já seria uma grande coisa.
A internet outrora livre e aberta é hoje uma ameaça à igualdade, à saúde e a segurança da mulher, e uma ameaça em escala global. O machismo do século 21 se conecta a uma rede internacional e não tem nada de passageiro. O anonimato é uma realidade e o que entra na rede vira um estigma da qual a vítima nunca mais irá se livrar, levando muitas adolescentes ao suicídio.
O que as mulheres precisam entender é que: 1) o estado tem mecanismos para protege-las; 2) outras mulheres podem ser entre si uma rede de proteção; 3) a violência é uma escada sem fim e começa com uma pequena ofensa; 4) a lógica comercial da internet tolera e promove a violência de gênero, assim como outros tipos de violência, porque ela dá lucro, dizem os estudiosos, como Evgeny Morozov e muitos outros.
Há um longo caminho pela frente.
A igualdade é o único caminho.
A internet pode ser também um espaço de empoderamento.
As dicas do Papo de Futuro
Não envie ou poste nudes.
Não envie ou poste vídeos.
Não faça sexo virtual com quem não conhece.
Evite o sexting, ou sexo por mensagens.
Não existe intimidade ou privacidade no mundo da internet. Tudo pode vazar.
Você não tem o controle sobre a rede. Ninguém tem!
Empodere-se.
Proteja-se.
Preserve sua intimidade.
E denuncie a violência.
Sempre.
E a frase do dia é: eduquem seus filhos e filhas em igualdade.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
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