A Câmara dos Deputados aprovou, em 14 de julho de 2022, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 122/15. Como a PEC já foi apreciada pelo Senado, ela poderá ser promulgada de imediato, entrando em vigor.
Essa Proposta, de autoria da ex-Senadora Ana Amélia (PP-RS), altera o art. 167 da CF, na forma a seguir:
“Art. 1º O art. 167 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 6º e 7º:
‘Art. 167. ……………………………………………………………………………
…………………………………………………………………………………………..
- 6º A lei não imporá nem transferirá qualquer encargo financeiro decorrente da prestação de serviço público, inclusive despesas de pessoal e seus encargos, para a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios, sem a previsão de fonte orçamentária e financeira necessária à realização da despesa ou sem a previsão da correspondente transferência de recursos financeiros necessários ao seu custeio, ressalvadas as obrigações assumidas espontaneamente pelos entes federados e aquelas decorrentes da fixação do salário-mínimo, na forma do inciso IV do art. 7º.
- 7º A lei, no momento de sua aprovação, não poderá criar ou aumentar despesa que não conste da lei orçamentária anual ou do projeto de lei orçamentária anual enviado pelo chefe do Poder Executivo e deverá observar as disposições da lei de que trata o art. 163, inciso I, e atender, quando cabíveis, as condições estabelecidas no art. 169.’”
Durante a apreciação pela Câmara dos Deputados, resultou rejeitado, mediante destaque, o § 7º. Contudo, o § 6º continua a prever a vedação de imposição de encargos financeiros decorrentes da prestação de serviços públicos, inclusive despesa com pessoal, sem a previsão da fonte financeira necessária ou transferência de recursos para isso, no caso de a despesa ser de responsabilidade de entes subnacionais.
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Trata-se de mais uma medida de caráter fiscalista, que aprofunda o que já vem sendo implementado no Brasil desde a promulgação da EC 95, de 2016, que fixou o teto de gastos, à qual se seguiu a Lei Complementar nº 173, de 2020, e a EC 109, de 2021, além das EC 113 e 114, de 2021.
No que se refere à Administração Pública Federal, a nova emenda à Constituição trará mais obstáculos à expansão de políticas públicas, criação de benefícios sociais ou regulamentação de direitos, com potencial de, inclusive, inviabilizar medidas necessárias, de caráter urgente.
Caso ela já estivesse em vigor, inúmeras medidas necessárias para o combate da pandemia Covid-19 e seus efeitos na economia e renda das famílias não poderiam ter sido adotadas, ou dependeriam, para ser aprovados, do que ela estabelece, na forma final aprovada pela Câmara: a previsão de fonte orçamentária e financeira necessária à realização da despesa ou sem a previsão da correspondente transferência de recursos financeiros necessários ao seu custeio.
A nova redação não afasta, mas, ao contrário, fortalece, as limitações já estabelecidas pelo art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal, com a redação dada pela Lei Complementar 173/2020:
“Art. 21. É nulo de pleno direito:
I – o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:
- às exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar e o disposto no inciso XIII do caput do art. 37 e no § 1º do art. 169 da Constituição Federal; e
- ao limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo;
II – o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;
III – o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;
IV – a aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando:
- resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou
- resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo.
- 1º As restrições de que tratam os incisos II, III e IV:
I – devem ser aplicadas inclusive durante o período de recondução ou reeleição para o cargo de titular do Poder ou órgão autônomo; e
II – aplicam-se somente aos titulares ocupantes de cargo eletivo dos Poderes referidos no art. 20.”
A validade desses dispositivos já foi reconhecida pelo STF, no julgamento da Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6447, 6450, 6525 e 6442.
Assim, é “nulo de pleno direito”, qualquer ato, seja lei, medida provisória ou norma infralegal, que resulte em aumento de despesa nos últimos 180 dias de mandato do Chefe do Executivo (no caso de norma legal ou infralegal) ou Chefe de outro órgão ou poder (no caso de norma infralegal), ou que resulte em aumento da despesa com pessoal cujos efeitos se deem, apenas, após final do mandato do titular do Poder Executivo.
Ou seja: qualquer lei que preveja implementação em parcelas de reajuste, terá que ter sua última parcela condicionada a esses dois dispositivos: não poderá ter parcela a ser implementada após o término do mandato do Chefe do Executivo em que seja aprovada a lei; não poderá ser aprovada e sancionada ou promulgada, ou editada (no caso de ato infralegal) nos 180 dias finais do mandato.
Essa norma é impeditiva, portanto, de edição de decreto que, mesmo regulamentando lei já vigente antes do prazo de defeso, implique em aumento da despesa a partir desse período de defeso, ou que produza efeitos no período presidencial subsequente.
Por exemplo, a regulamentação de gratificações de desempenho, que via de regra têm, em seus atos legais de criação, a previsão de um período em que a vantagem é paga em valor fixo, e apenas após sua regulamentação podem atingir seus valores máximos, estaria comprometida por essas regras limitadoras do aumento da despesa, a menos que, comprovadamente, no ato de criação da vantagem, já esteja estimada a dotação total necessária, decorrente dessa regulamentação, e essa dotação esteja consignada na Lei Orçamentária.
O mesmo ocorre com o Bônus de Eficiência e Produtividade das Carreiras de Auditoria Fiscal da Receita Federal do Brasil e da Auditoria Fiscal do Trabalho, que desde 2016 aguarda regulamentação. Até que ela venha a ser implementada, o valor máximo autorizado a ser pago é de R$ 1.800,00 e R$ 3.000,00 reais, respectivamente, para Analistas Tributários e Auditores Fiscais.
Apenas a partir da regulamentação que defina a forma de apuração do Bônus, e sempre a depender do montante autorizado destinado para essa finalidade, é que poderia ser pago um valor superior, o que implica, efetivamente, em aumento da despesa.
Por ser assim, esse regulamento, aumentando a despesa, seja nos 180 dias do final do mandato, seja no mandado subsequente do Executivo, padeceria do “vício de nulidade”, passível de arguição pelos órgãos de controle (TCU e Ministério Público).
Dessa forma, não pode ser negligenciado o fato de que o ordenamento jurídico vem, progressivamente, impondo mais e mais limitações ao aumento da despesa, atendendo as premissas do ajuste fiscal a qualquer preço, em particular a despesa com pessoal, mas também os gastos decorrentes de políticas públicas, regulamentação ou reconhecimento de direitos e outras soluções que demandem a lei para a sua implementação.
Curiosamente, tais medidas estão sendo aprovadas pelo Congresso Nacional após a aprovação, de forma até mesmo irresponsável, do ponto de vista político e eleitoral, mas, também, fiscal, de medidas como o aumento do piso salarial dos agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, e o piso salarial dos enfermeiros e a PEC do Desespero, já promulgadas na forma das Emendas Constitucionais nº 123 e 124, de 14 de julho de 2022. Como diz o ditado popular, “porta arrombada, tranca de ferro”.
Em 15 de julho de 2022.
* É consultor Legislativo – Advogado, além de Professor colaborador da EBAPE/FGV, sócio da Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP), mestre em Administração e doutor em Ciências Sociais/Estudos Comparados (UnB).
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