Aproxima-se o aniversário de 40 anos do fim da ditadura e da inauguração do mais longo e profundo período democrático da nossa história. Na última semana, publiquei o artigo “O Legado da Redemocratização Brasileira”, onde celebrava quatro grandes feitos do período: a consolidação da democracia permanentemente testada, o Plano Real e a estabilização da economia, a criação de uma sólida rede de proteção social e a estruturação de um avançado quadro institucional na área ambiental. Para um leitor apressado poderia parecer o paraíso na terra, uma goleada histórica de 4 x 0. Ledo engano. Se as conquistas foram muitas, herdamos lacunas e gargalos inaceitáveis.
O primeiro e mais grave, verdadeira tragédia nacional, é o desempenho de nosso sistema educacional. A qualidade da educação é quase tudo. Repercute no padrão de convivência social e na cidadania, na produtividade e no emprego, na inovação, na saúde, na segurança e no grau e consistência da participação política. Pois é, saiu o Ideb/2024 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Atingimos apenas uma das três metas. Mal, mal, recuperamos os níveis pré-pandemia nos anos iniciais do ensino fundamental e tivemos retrocessos no ensino médio. Apenas Goiás, Pernambuco e Piauí cumpriram os objetivos programados em relação ao ensino médio, porta de entrada dos jovens na vida adulta e no mercado de trabalho. A meninada não consegue somar 25 e 50 centavos ou fazer conta de duplicar ou triplicar. E não serão planos nacionais de educação cheio de boas intenções e palavras bonitas ou normas emanadas de Brasília que mudarão este quadro.
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Fiquei desalentado quando li, num artigo do economista Samuel Pessoa, que na avaliação internacional do ensino (PISA) os 10% piores alunos vietnamitas estavam à frente dos 10% melhores brasileiros. O Ideb/2024 mostrou que não estamos virando o jogo. Desse jeito, o Vietnã ultrapassará o Brasil em renda per capita. Essa é a maior derrota da Nova República. Gol contra. 4 x 1.
O segundo “Calcanhar de Aquiles” é a expansão inacreditável, a sofisticação surpreendente e o enraizamento social do crime organizado. Criminalidade sempre houve. Mas não há motivos para comemorarmos uma trajetória que derivou no estabelecimento de um verdadeiro Estado paralelo por organizações como o PCC ou o Comando Vermelho. E não parece que sabemos bem como enfrentar esse enorme desafio. Fomos temporariamente derrotados. 4 x 2.
Outra lacuna difícil de engolir foi o atraso nos investimentos na infraestrutura urbana, essenciais para elevar o padrão de vida da população, principalmente a de baixa renda. Cerca de 15,8% da população, ou sejam 32 milhões de brasileiros, não têm água tratada (SNIS/2022). Em pleno século 21, 90 milhões de pessoas no Brasil não têm coleta de esgoto (44,5% da população). Os números das regiões Norte e Nordeste, neste quesito, são de indignar um cristão. Mas, pelo menos, o novo Marco do Saneamento está virando o jogo, chamando a iniciativa privada a participar da universalização dos serviços de saneamento. O quadro do transporte coletivo e da mobilidade urbana não é diferente. As grandes metrópoles não investiram em redes eficientes de metrô e a ineficiência do sistema estimula o uso do transporte individual, desorganizando as cidades. Pena, 4 x 3.
Infelizmente, este jogo ainda não acabou.
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