Os grandes campeões deste primeiro turno de eleições municipais foram os votos inválidos ou ausências. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, a soma de votos nulos, brancos e abstenções superou o primeiro ou segundo colocado na disputa para prefeito em 22 capitais. Somadas, as abstenções, nulos e brancos superaram o primeiro colocado em dez capitais: Porto Alegre (RS), Porto Velho (RO), Curitiba (PR), São Paulo (SP), Campo Grande (MS), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Cuiabá (MT), Aracaju (SE) e Belém (PA). No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, esta soma de nulos, brancos e abstenções chegou a superar os votos obtidos pelos dois primeiros colocados, juntos.
Esse preocupante quadro eleitoral, repetido no segundo turno das eleições municipais de 2016, aponta para a necessidade de uma urgente, profunda, democrática e popular reforma política. Entre outras providências, seria preciso:
a) manter a impossibilidade de financiamento de campanhas e partidos por empresas (alguns segmentos já ensaiam a volta dessa perversa prática pela via de uma emenda à Constituição);
b) adotar o financiamento público de campanhas em patamares espartanos, incluídas nessas restrições o fundo partidário;
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c) definir claramente, sem anistias, a criminalização do caixa 2 em campanhas eleitorais;
d) eliminar as coligações nas eleições proporcionais, inclusive mediante formas disfarçadas (como na federação de partidos e assemelhados);
Publicidade e) incentivar a instalação de comitês de fiscalização e acompanhamento dos mandatos parlamentares (modelo que pode, e deve, ser adotado para a verificação da eficiência da prestação dos serviços públicos);
f) adotar fórmulas de revogação de mandatos por parte dos eleitores;
g) democratizar o cálculo do coeficiente eleitoral e a distribuição dos restos nas eleições proporcionais;
h) adotar procedimento de voto proporcional primeiro no partido e, depois, num dos candidatos do partido;
i) democratizar a distribuição de tempo na propaganda eleitoral e a participação em debates.
Destaque-se que a chamada “classe política” funciona como instrumento de representação de interesses socioeconômicos (são detentores de “mandatos eleitorais”). Esses são os verdadeiros e mais importantes elementos a serem considerados no convívio social e no equacionamento dos mais relevantes problemas. Ocorre que a grande mídia convenientemente esconde a relação entre o representante e os interesses representados. Os “políticos” são tratados como segmento autônomo e a corrupção sistêmica é utilizada como uma potente cortina de fumaça que encobre os inúmeros e sofisticados mecanismos de produção e ampliação de desigualdades e opressões de vários tipos.
Eis algumas importantes questões (somente para ilustrar), com profundos e negativos impactos na qualidade de vida da grande maioria dos brasileiros, a serem tratadas pelos “políticos”:
POLÍTICA ECONÔMICA
Por que a política econômica, no discurso oficial e da grande imprensa, está limitada a vertente fiscal sob o equivocado enfoque da austeridade/arrocho seletivo, a exemplo da PEC n. 241/2016 (n. 55/2016 no Senado Federal)? Por que praticamos as maiores taxas de juros do mundo? Por que os banqueiros ocupam, direta ou indiretamente, os principais postos de formulação e condução da política econômica? Por que os bancos contabilizam, em plena crise ou fora dela, lucros estratosféricos? Por que não existe um programa vigoroso de combate à sonegação tributária (estimada em R$ 500 bilhões anuais)? Por que não se investe seriamente na recuperação progressiva da Dívida Ativa da União e de suas autarquias, calculada em mais de R$ 1,5 trilhão, por intermédio do adequado aparelhamento dos órgãos públicos envolvidos, notadamente a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Procuradoria-Geral Federal (PGF)? Por que não se adota uma Lei de Responsabilidade Monetária (para fazer companhia à Lei de Responsabilidade Fiscal), envolvendo a regulamentação ampla e social: a) da fixação da taxa de juros SELIC; b) do nível e administração das reservas monetárias internacionais, admitindo a venda do excesso, inclusive; c) do tamanho da base monetária e d) das operações compromissadas e todas as formas de “ajuste de liquidez”? Por que não se adota uma Lei de Responsabilidade Cambial (outra importante companhia para a Lei de Responsabilidade Fiscal), contemplando a regulamentação ampla e social: a) do câmbio; b) do fluxo de capitais e c) das operações de swap cambial (calcula-se em quase R$ 170 bilhões os prejuízos nesse campo nos últimos meses)?
DÍVIDA PÚBLICA
Por que não se executa a auditoria da dívida pública, conforme exige o art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)? Por que não se adota uma administração da dívida pública de forma transparente e com controle social, inclusive com a supressão de mecanismos indevidos que viabilizam o seu contínuo crescimento (como a atualização monetária do montante e o seu financiamento por intermédio do lançamento de novos títulos em flagrante violação à “regra de ouro” inscrita no art. 167, inciso III, da Constituição)? Por que são lançados novos títulos (novas dívidas) para pagamento de parte dos juros (contabilizados indevidamente como amortização), contribuindo decisivamente para a formação de uma dívida pública trilionária? Por que as operações compromissadas não são reguladas e limitadas (segundo dados do Banco Central do Brasil, as operações compromissadas representavam R$ 528,7 bilhões da dívida pública em dezembro de 2013, R$ 809,06 bilhões em dezembro de 2014 e R$ 913,28 bilhões em dezembro de 2015 e R$ 1,11 trilhão em agosto de 2016)? Por que, no “Novo Regime Fiscal” da PEC n. 241/2016 (n.55/2016 no Senado Federal), estão excluídas das limitações de gastos as despesas com o serviço da dívida pública? Por que o volume anual de dispêndios com juros e amortizações da dívida pública atinge alarmantes patamares de centenas de bilhões de reais (em 2015, segundo dados oficiais do Portal da Transparência, os juros e amortização, num montante de cerca R$ 961,8 bilhões, representaram aproximadamente 50,44% da despesa federal total)?
REFORMA AGRÁRIA
Por que o Brasil não fez, até hoje, uma reforma agrária decente (requisito inafastável para o desenvolvimento de qualquer país)?
SERVIÇOS PÚBLICOS
Por que não se aposta em programas efetivos de planejamento, gestão, financiamento e controle popular organizado da prestação de serviços públicos de qualidade (nas áreas de educação, saúde, transporte coletivo urbano, entre outros)?
PREVIDÊNCIA SOCIAL
Por que não se realiza uma ampla e democrática auditoria da Previdência Social que aponte as reais necessidades de modificações (envolvendo o financiamento segundo os parâmetros constitucionais, as desonerações tributárias, a sonegação, a inadimplência em razão da crise econômica, as fraudes, os privilégios, a pertinência de alterações nas idades mínimas e outros aspectos relevantes)?
VIOLÊNCIA EPIDÊMICA
Por que subsiste uma significativa alimentação de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um claro incentivo à violência física e simbólica? Por que o combate à violência epidêmica está baseada em concepções autoritárias e de puro reforço do aparelho policial de repressão (são mais de 50 mil homicídios por ano no Brasil)?
CORRUPÇÃO SISTÊMICA
Por que o combate à corrupção sistemática privilegia medidas espetaculosas de punição (depois do “leite derramado”), e não, medidas preventivas, com estruturação e fortalecimento dos órgãos do controle interno, da Advocacia Pública e participação popular organizada?
REFORMA TRIBUTÁRIA
Por que subsiste um sistema tributário profundamente injusto com elevadíssima carga sobre o consumo e o trabalho, alívio da pressão fiscal sobre a propriedade e ganhos financeiros e toda sorte de vantagens para poucos privilegiados? Por que não se faz uma criteriosa revisão dos benefícios tributários (segundo notícia da Folha de S. Paulo, “as desonerações de tributos concedida pelo governo da presidente Dilma desde 2011 somarão cerca de R$ 458 bilhões em 2018")?
CONCENTRAÇÃO DA MÍDIA
Por que existe um convívio passivo com a deletéria concentração econômica de mídia?
OPRESSÕES E PRECONCEITOS
Por que existem, e são alimentados, poderosos obstáculos sociais e institucionais ao combate efetivo às inúmeras formas de opressões e preconceitos (em razão da condição socioeconômica, da cor da pele, da opção religiosa, da orientação sexual, do gênero, entre outros). Uma reforma política adequada, numa perspectiva popular e democrática, deve buscar justamente explicitar quais os interesses e respectivos segmentos sociais efetivamente representados pelos atores do mundo da política. Em outras palavras, como cada representante se “coloca” em relação às estratégicas questões mencionadas e outras tantas não listadas expressamente. Cumpre destacar que as medidas político-eleitorais antes aludidas somente produzirão resultados satisfatórios se conjugadas com a conscientização e mobilização populares crescentes. Essas últimas são as chaves das verdadeiras mudanças. Não serão iluminados, vingadores, salvadores da Pátria e outros tipos de paladinos da ética, da moralidade ou dos bons costumes que promoverão as transformações substanciais que o Brasil reclama. Afinal, os representantes de interesses socioeconômicos, justamente porque são representantes, devem ser submetidos a uma vigilância severa e permanente para a manutenção da fidelidade em relação aos representados e padrões de conduta moralmente aceitáveis (mantendo certas prerrogativas para o adequado exercício da missão e abandonando privilégios injustificáveis, como veículos de representação, verbas indenizatórias, foros privilegiados, etc).
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