Por Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek *
“Então, Uzias se indignou e tinha o incensário na sua mão para queimar incenso; indignando-se ele, pois, contra os sacerdotes, a lepra lhe saiu à testa perante os sacerdotes, na Casa do Senhor, junto ao altar do incenso.” (2Crônicas 26.19)
Pablo Marçal (PM) não tem problema de estima. Suas comparações são sempre hiperlativas. Autopromovido como imbatível, domador de tubarões aos leões da política, dotado de uma capacidade cognitiva tão singular quanto a de Einstein, sua melhor versão sofre uploads de conhecimento na velocidade do personagem Neo, da Matrix. Nesse afã de se fazer conhecer, mirando em heróis da Bíblia para criar identificação com o público evangélico numa espécie de transposição mimética, PM tem errado tanto a mão que, mesmo se apresentando como Davi (por conta do tempo exíguo de TV que tem na campanha), acaba sendo percebido como Golias, o guerreiro filisteu.
Marçal se esqueceu que a grande maioria evangélica é pela paz. Evangélico que gosta de dar tiro, de ver bomba caindo, de ver a mata pegando fogo é da parcela extremista ligada ao fundamentalismo. Estes são uma minoria. No mais, a grande maioria que vai dos moderados aos conservadores, a pregação é pela paz. Eis um dos motivos pelos quais há certo receio dos evangélicos com a esquerda, uma vez que está última foi adesivada como tumultuadora, como “black bloc”. Via de regra o evangélico médio só esquece da pacificação na hora do futebol com os irmãos da igreja; no mais, foge de aglomerações com potencial explosivo. Para você ter uma ideia, até nas igrejas de modelo congregacional em que as assembleias decidem seus rumos, como é o caso das denominações Congregacional e Batista, a frequência dos membros e das reuniões parece estar em desuso. A turma não quer ouvir a palavra “discutir”.
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PM, ao fomentar o conflito, ao manobrar um ancião como Datena tirando-o do equilíbrio, ao ter na sua equipe um covarde que ataca seu semelhante em momento de visível distração, criou um bloqueio para com o eleitor evangélico, o mesmo que o incensou em um primeiro momento. Agora, não só as comparações hiperbólicas com personagens da Bíblia; não só o vídeo da cura mal-sucedida; não só a simulação (como a do oxigênio na ambulância) e os consequentes desmentidos: ele foi tomado como um beligerante, um brigão. Um erro de principiante. O águia das redes sociais ainda está no ovo, necessitando nascer (de novo, inclusive) para compreender um pouco o mundo evangélico, incompreensão esta que atinge uma parcela dos antropólogos deste país.
Foi a cadeirada, ela mais uma vez, que marcou PM como a lepra no Rei Uzias. Uzias foi um bom rei, segundo o próprio testemunho bíblico. No entanto, se perdeu na soberba, pleiteando a única função que não lhe cabia, pois não era sacerdote. É provável que estivesse em curso um processo de autodivinização, comum às autoridades com arroubos autoritários.
Para piorar, circulam vídeos que mostram o desapego de PM com a verdade. Verdade é uma das senhas que abre verdadeiros portais no mundo evangélico; o mesmo que, paradoxalmente, de alguns anos para cá, tem se permitido enredar pelas fake news.
Marçal, como coach destravado que diz ser, se aventurou pela dimensão religiosa-espiritual, como fez Uzias. Todavia, é estranho que alguém que se diz evangélico não saiba que “Deus não se deixa escarnecer”, como lembra o apóstolo Paulo (em Gálatas 6).
É inútil a campanha de PM tentar fazer um “plot twist” narrativo nesse momento. O PM do debate do SBT, pedindo perdão a Tabata, não colou. A lepra (cadeirada) já nasceu. Para Uzias significou o banimento sociopolítico. Para Marçal, espero, pode significar sua circunscrição aos limites do mundo coach e de seus seguidores, o que, convenhamos, conquanto não seja pouca coisa, não deixa de ser uma cerca; latifundiária cerca, trazendo consigo seus limites. Para um coach destravador deve ser horrível saber que seu latifúndio social possui um limite, ainda que fora do alcance da visão.
* Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é mestre e doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); pesquisador em estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (bolsista Capes); pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de “Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção” e co-organizador de “Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares”; “O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas”; e “A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022”.
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