Por Antônio José Alves Jr. e Guilherme Narciso de Lacerda*
Vencida as eleições contra o protofascismo, com voto predominante dos mais pobres começou o jogo bruto pela política econômica. Economistas e analistas ligados ao mercado financeiro se revezam para defender o teto dos gastos e conter o orçamento de transição, que batizaram de PEC do estouro. Luis Stuhlberger, importante gestor de fundos, em entrevista à CNN, lembra que Lula foi eleito por uma frente ampla e deve governar para todos, “não apenas para os eleitores do PT”. Talvez quisesse dizer que “os financistas também são filhos de Deus”. Na mesma toada, Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, economistas importantes no debate intelectual brasileiro, com experiência de governo e vivência no sistema financeiro privado, engrossaram esse coro. Em carta-aberta ao presidente Lula, repetem que é um erro não pautar a política econômica pelos movimentos dos juros, da bolsa e do dólar. Clamam por compreensão do futuro mandatário, ao lembrar que o mercado financeiro é formado por “muita gente séria e trabalhadora, presidente”.
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Na “Carta ao Presidente”, Bacha, Fraga e Malan dizem que os juros são altos porque o governo, endividado que está, é percebido como um mal pagador. Por isso, prospera e se perpetua a especulação em torno dos juros, do dólar e das bolsas. Para eles, não se deve ter tolerância com isso: é preciso respeitar o Teto de Gastos, já. E advertem: não precisa faltar dinheiro para a política social. Basta “forçar uma organização de prioridades”. É isso mesmo?!
É preciso evitar a lógica atraente, mas falaciosa, que está presente no apelo à “prioridade”. Sempre há uma questão de prioridades, assim como sempre é possível melhorar a gestão. Mas é um problema secundário quando há extrema escassez de recursos, como se vê hoje em dia. O investimento público está no seu nível mais baixo. Os salários dos servidores, por mais de 5 anos, não sofreram reajustes, quando o IPCA acumulado superou a casa dos 30%. O custeio da máquina pública, em termos reais, também foi rebaixado, como é o caso dos hospitais, das universidades, e de programas relevantes como a Farmácia Popular e a merenda escolar. Pensar em prioridades, nessa escassez, é escolher o que sacrificar da máquina pública e que modalidade de sofrimento recairá sobre o povo.
Mas, um analista menos entusiasmado com o futuro governo poderia perguntar: e não valeria a pena o sacrifício imposto pela contenção fiscal, de forma a gerar condições futuras para uma retomada em bases mais seguras? O problema é que tal sacrifício não tem respaldo nos fatos. Olhemos para nosso umbigo. De 2015 até 2021, a dívida pública aumentou! Os juros deveriam ter subido, mas caíram. E os investimentos não vieram! De 2021 para cá, os juros deram um salto. Foi a dívida púbica que subiu? Não. A dívida caiu! E os investimentos também não vieram. Há oito anos que a economia continua patinando. Essa é a história da austeridade no Brasil e não é diferente em outras partes do mundo. Seria prudente sacrificar as políticas sociais, o funcionamento da máquina pública, e o investimento público a partir de uma tese tão furada?
É preciso virar essa página de uma vez. A hora é de enfrentar os problemas reais e urgentes que afligem a grande parte da população brasileira. A economia brasileira está estagnada e precisa ser empurrada para pegar no tranco. Os vetores para esta reação passam pela construção de um ambiente crível que libere o “animal spirit” realçado por Keynes, articulado com investimentos públicos subordinados a uma programação orçamentária bem comunicada à sociedade. Com planejamento, os resultados serão melhores e uma retomada inicial do crescimento econômico injetará recursos fiscais adicionais, eliminando os receios de desorganização das contas públicas.
PublicidadeA nossa atual realidade social não permite titubeios. Há uma massa de brasileiros que precisará do bolsa-família até que a economia crie uma quantidade relevante de empregos com salários melhores. E neste caso, a tolerância é zero. É preciso expandir já os gastos públicos, aí sim, com prioridades guiadas pela erradicação da miséria e pelas ações que promovam a retomada do crescimento.
* Antonio José Alves Junior é doutor em Economia pelo IE/UFRJ, professor do Departamento de Economia da UFRRJ e coordenador do ECSIFIN – Laboratório de Economia e Conjuntura do Sistema Financeiro. Já Guilherme Narciso de Lacerda é doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP e professor do Departamento de Economia da UFES. Foi diretor do BNDES (2012-2015). Guilherme também é o autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital.
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