A alegria da troca de experiências, da vivacidade contida nas opiniões, o carinho pelo diálogo tem marcado o nosso coletivo Olhares Negros. Desde o início, lá em 2020, essa era uma expectativa. Hoje, em 2024, a expectativa foi transformada em nossa realidade de encontros e reflexões sobre as múltiplas formas de apagamento da experiência negra no Brasil – mas nós sabemos que a tentativa de apagamento jamais ocultará as realizações da população negra no Brasil – suas histórias, memórias e formas especiais de resistência.
O Brasil precisa desse nosso Olhar, precisa dessa nossa reflexão, precisa dessa resistência para renascer como uma sociedade capaz de superar seu histórico de mazelas, imperfeições e desastre que, seguramente, poderiam ter sido evitados, mas, ao contrário, permanece como um caminho sem esperança e sem sabedoria. Nós, as colunistas do Olhares Negros, não acreditamos neste caminho e por isso o nosso Olhar e Escrever se traduzem em decisão e determinação.
Nós expressamos essa decisão e visão ao escrever e analisar muitas façanhas de nossas vidas, comunidades e coletividades. Nesses 4 anos, nós expressamos visões de mundo – passado, presente e futuro. E retornamos a nossa coluna Olhares Negros para falar desses tempos – passado, presente e futuro.
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Retornamos porque falar de democracia racial ainda está em jogo do debate sobre enfrentar o racimo na sociedade brasileira. “Ter denunciado a democracia racial brasileira como um mito e uma farsa foi, também, uma extraordinária obra política do movimento negro contemporâneo e de seus ativistas.” (“Olhares Negros – Uma experiência possível e necessária”, Wania Sant’Anna, 2020)
Tratar de política e representações da população negra em espaços de poder e decisão é essência. “Vivemos um momento histórico que nos empurra ao limite e no qual a negação da política como espaço para os cidadãos, em ano pós-eleitoral, é uma das estratégias de esgotamento e crença no tal do amanhã.” (“Acompanhar a política municipal em 2021: faça a coisa certa”, Roberta Eugênio, 2021).
Nossas heranças e legado das comunidades de terreiro serão sempre fonte de inspiração e resistência. “Ao se verem nas fotografias com as indumentárias e insígnias de seus orixás, as pessoas do terreiro têm uma representação visual de uma história religiosa.” (“A fotografia como valorização e preservação da memória no candomblé”, Mariana Maiara, 2021).
Nossos orixás são presença viva e fonte inesgotável de sabedoria, filosofia e tradição. “Urge que sejam reabilitados e dinamizados valores ontológicos, vivenciais num mundo aberto e dialógico. Exu é um ser que desvela o que é para ser desvelado. Ele é livre como o ar que o representa no espiral dos redemoinhos e se movimenta na sua flexibilidade e mutabilidade constantes, jaculando o seu sopro transformante em qualquer direção.” (“Quem tem medo de Exu?”, Vanda Machado, 2020)
O meio ambiente e a natureza têm valores especiais às comunidades negras e seus territórios. “O ser coletivo negro, que faz sua trajetória através dos tempos, nos diversos espaços materiais e imateriais, no Brasil constrói suas vivências, frequentemente em processos de remoção forçada, onde recria a vida, conduzido pela forte herança ancestral, de ser na natureza.” (“Eu sou porque nós somos. Cinco anos de lama!”, Dulce Maria Pereira, 2020)
É preciso colocar no centro do debate que o racismo impede, definitivamente, o sentido criativo e a experiencia do ser humano negro. “Se tem uma coisa que podemos dizer a respeito do racismo é que, definitivamente, ele é versátil. Ele consegue resistir aos séculos, assumindo convenientes discursos e facetas. Não seria diferente nos processos de produção audiovisual, sobretudo no Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão. Uma escravidão justificada pelo argumento racial, já sabemos.” (“Festa a fantasia: como o racismo se disfarça de burocracia no audiovisual brasileiro”, Kelly Tiburcio, 2021).
A educação no Brasil nos nega, todos os dias, o desenvolvimento de nossas habilidades e potencialidades e isso é algo inaceitável. “Nas instituições de ensino onde existe um número significativo de pessoas negras (escolas públicas, pré-vestibulares comunitários e sociais), as vivências nos mostram que o sonho possível para a maioria das mulheres negras está fundado, não só nesses valores, mas onde existe referência, onde estas conseguem achar que é possível chegar.” (“Ciência e Tecnologia: uma reflexão sobre a inclusão de pesquisadoras negras”, Iara Brandão, 2021)
Nossa produção cultural e intelectual é, sem dúvida, o resgate mais perfeito de nosso passado e a fonte de riqueza mais extraordinariamente possível ao nosso futuro. “Contar histórias sempre foi o método utilizado na tradição africana para educar, transmitindo ideias e valores. Desta forma, as escolas de samba ao apresentar histórias, ilustradas por fantasias, alegorias, adereços e canto, cumprem este papel de educar a comunidade, permitindo o encontro de cada espaço com sua história e seus antepassados. Levar um desfile de escola de samba para a sala de aula é dar uma amostra de uma outra forma de viver e de entender o mundo, além de permitir o encontro de cada brasileiro com suas origens.” (“O descobrimento do Brasil pelas Escolas de Samba”, Helena Theodoro, 2021).
E por isso que nós, mulheres negras, escrevemos e é por isso que retornamos. Nós escrevemos porque pensamos, porque existimos, a coluna Olhares Negros é essa experiência, esse exercício individual e coletivo de colocar no papel o que nós pensamos. Somos mulheres negras atuantes na pluralidade e ficamos muito felizes por ter registrado em livro a experiência dos dois primeiros anos de nossa existência e que vocês podem acessar aqui: clique neste link.
Existem “coisas” que, sabemos, merecem silêncio em sinal de respeito, em demonstração de sabedoria, mas há audições que precisam atravessar o corpo e se transformar em palavra escrita, e é isso que nós pretendemos fazer coletivamente. Voltamos!